Conto das terças-feiras – Metamorfose feminina
Gilberto Carvalho Pereira - Fortaleza, CE, 20 de abril de 2021.
Gabriela e Maurício conheceram-se em Goiânia, em uma reunião da empresa na qual trabalhavam, multinacional com vários escritórios pelo mundo e no Brasil. Desenvolviam tarefas idênticas e acabaram fazendo parte do mesmo grupo durante uma reunião de trabalho. Estabeleceram relações rapidamente, conversaram bastante, trocaram experiências e conhecimentos na área de atuação profissional deles. Eram os únicos solteiros no grupo, ela separada e ele pai solteiro, condição favorável à aproximação entre ambos, além dos assuntos da companhia.
Ao final da reunião, que discutiu a performance da empresa e a projeção de sua atuação no Brasil para os próximos anos, o anúncio da indicação de um coordenador para a região Norte criara expectativas entre eles, por se tratar de uma posição relevante no âmbito da empresa. Pela competência e dedicação Gabriela fora a escolhida. Maurício, que esperava ser o indicado sentiu-se desconfortável. A timidez o deslocara para um canto da sala. Os outros funcionários, depois dos parabéns à colega, alegando motivos pessoais, declinaram do convite para comemorar a ascensão dela. Procurando Maurício, Gabriela o viu cabisbaixo e triste. Ela conhecia o motivo daquela tristeza e a atitude dos outros colegas homens, não aceitavam a indicação de uma mulher para destacado cargo.
A tentativa de se esquivar não deu certo, a moça foi ao seu encontro e o convidou para saírem, jantar em um lugar agradável e com música alegre. Não teve jeito, a insistência e a delicadeza da colega o empurraram para o táxi parado à porta do hotel em que se realizara a reunião. Calado, o rapaz, retribuindo a amabilidade de Gabriela, fez menção para que ela entrasse primeiro. Acomodados, ela pediu para o taxista:
— Por favor, indique-nos um bom restaurante, que ofereça música ambiente.
— Pois não senhora, disse o taxista, antes desejando boa noite ao casal. Então vamos para o Meze Restaurante, fica aqui perto, concluiu ele.
— Senhorita, retrucou ela.
Mulher empoderada, divorciada, mãe de dois filhos, moradora de Belém, estava muito elegante em seu traje de executiva, que a deixava mais bela, razão de provocar constrangimento a alguns homens. No restaurante seu acesso, em passos firmes e graciosos, despertou os olhares das mulheres ali presentes. O maitre, anfitrião do restaurante, distinguiu o casal com destacada mesa.
Durante o jantar Mauricio não conseguiu ficar confortável, aquela mulher o atraia, mas era muita areia para o seu caminhãozinho, pensava. Aquele fora o último dia de reunião, na manhã seguinte todos retornariam às suas cidades. Gabriela e Mauricio repassaram os respectivos números de telefones e endereços de e-mails, para consolidarem interesses corporativos e de afinidades.
Trinta dias depois os dois resolveram se encontrar, aproveitando o recesso de final de ano. Combinaram que seria em uma praia, e o local escolhido foi a cidade de Alter do Chão, em Santarém, Pará. Ambos não conheciam o local, mas sabiam da beleza e do agradável ambiente. Ao rapaz ficou a incumbência da compra das passagens e a ela a reserva de acomodações. Gabriela chegou ao Aeroporto de Santarém duas horas antes do amigo. Já na chegada o rapaz ficou surpreso, a colega estava à vontade, vestido comprido, colorido e sem mangas, cabelos soltos e ornada de bijuterias, diferente da mulher que conhecera em Goiânia, cabelos em forma de coque, de terno e sapatos altos. Aproximou-se da moça, carregando sua mala preta com rodinhas e uma mochila com seu laptop. Surpresa ela indagou:
— Você veio trabalhar? Aqui não é lugar para isso, vamos nos divertir, andar descalços sobre as areias da praia.
Gabriela trouxera apenas uma mochila colorida, com três bermudas, três biquínis uma sandália havaiana borracha e seu celular, deixando Mauricio desconcertado e incomodado. Do aeroporto seguiram de Uber para Alter do Chão. Ao chegar à pousada perceberam que não havia internet. Como se comunicariam com o mundo? pensou ele. Exaustos, tomaram banho, jantaram e foram dormir. Na manhã seguinte, por insistência da colega, foram à praia, tendo Mauricio levado seu celular e laptop. Procuraram um quiosque para se acomodarem. Gabriela, impaciente, sugeriu que fossem caminhar, conhecer o que tinha de bom na praia. Ela gostaria de ver a passagem de ano naquela bela paisagem, mesmo constrangido Mauricio aceitou. Ambos permaneceram até à noite naquele ambiente, em frente a uma mesa de bar. Ela tentando se divertir, dançar, e ele amuado porque não conseguia usar o laptop, não havia sinal de Wi-Fi.
Na manhã seguinte, alegando que recebera notícias do filho que adoecera, Mauricio resolvera voltar para Manaus. Ambos foram para Santarém, ele voou para a sua cidade, ela retornou para Alter do Chão, gozar os dias que lhe restavam do recesso. A fuga do colega fora por que ele percebera que ela tomara o poder sobre si mesma, pautando a própria vida na busca permanente de sua realização plena como mulher?