Já passavam das oito da noite quando Paula finalmente chegou a seu apartamento em Ipanema, zona Sul do Rio de Janeiro.
      A cabeça da jornalista explodia de dor, pois mais cedo fora humilhada sem piedade pelo seu editor-chefe na frente de seus colegas de redação. As palavras daquele homem rude ainda ecoavam na sua cabeça dolorida: “Essa matéria está um lixo! Quando eu peço uma coisa, quero que seja benfeita, afinal nossos milhares de leitores merecem o melhor. Agora tire esta merda da minha mesa, Paula, você tem meia hora para me apresentar algo decente.”
      Na hora a jornalista segurou o choro e acabou reescrevendo a matéria sobre celebridades que sofriam de anorexia, não sem antes levar outra bronca do chefe, pois haviam transcorridos cinco minutos além do prazo. Agora Paula deixou que as lágrimas copiosas inundassem suas faces.
   — Por que está chorando, minha filha? — Indagou a bondosa e paciente matrona.
    — Nada mãe, é só que o idiota do meu editor-chefe me destratou na frente do pessoal da redação. Otávio é o editor-chefe mais competente com quem já trabalhei, reconheço, mas é muito exigente e arrogante. E desejando mudar de assunto a jornalista perguntou:
   — E a Lígia, como está?
   — Depois de mais uma sessão de quimioterapia, nossa menina está lá no quarto deitada — respondeu a matrona. Lígia está reclamando de náuseas e já vomitou três vezes.
   — Ah, meu Deus! Começou o sofrimento de novo. Vou lá vê-la, mãe.
      Ao chegar ao quarto mergulhado em semiescuridão, a mãe encontrou uma adolescente de cabeça raspada, muito pálida, prostrada na cama.
   — Você demorou hoje, mãe.
   — Sim, filha. Tinha muito trabalho na redação do jornal. Mas, e você, como se sente? Sua avó me contou das náuseas e dos vômitos. Você já superou isso uma vez, querida, e vai superar de novo. Neste momento a adolescente desabafou:
   — Não aguento mais, mãe! Não sei o que é pior, se a doença ou a quimioterapia e os outros remédios. Seria melhor morrer logo de uma vez, pois assim eu pararia de sofrer. De forma quase ríspida a mãe a advertiu:
    — Você está proibida de dizer isso de novo, Lígia. Logo vai aparecer um doador compatível, tenho certeza.

      Aos seis anos de idade a pequena Lígia desenvolvera uma leucemia do tipo linfoide aguda, com bastante incidência em crianças.  Depois de muita luta e sofrimento, a moléstia pareceu finalmente arrefecer, no entanto, agora com onze anos de idade, Lígia voltara a ter hemorragias, infecções pertinentes e manchas roxas na pele. A doença reaparecera com força total e desta vez os médicos optaram por colocá-la na fila de transplantes de medula óssea, porque a quimioterapia e outros remédios não estavam surtindo o efeito esperado e a doença passou a ter aos olhos da medicina um mau prognóstico.

      O tempo corria e Lígia ia ficando cada vez mais debilitada. Assistindo a filha definhar e movida por uma espécie de intuição, Paula tomou uma decisão.

   — Obrigada por aceitar almoçar comigo, Otávio. Preciso te pedir um favor. Como você sabe, minha filha está com leucemia e agora os médicos disseram que Lígia precisa de um transplante de medula óssea. Infelizmente, ninguém da minha família se mostrou compatível. Por favor, submeta-se ao teste sanguíneo; quem sabe você não seja o tipo compatível que a minha filha precisa? Não deixe minha menina morrer; ela é linda e tem muito o que viver. Acostumado a ser insensível aos rogos das pessoas, o ambicioso e competente editor-chefe indagou:
   — Isto é um tiro no escuro, certamente fruto do seu desespero, Paula. Por que eu haveria de ser compatível com sua filha?
   — Meu coração está me dizendo que você será, Otávio — respondeu a mulher com os olhos a lacrimejar.
   — Balela de mãe, Paula. Quando o homem fez menção de se levantar a jornalista rogou já em pranto:
   — Ajude-nos, Otávio, Lígia é sua filha.
   — Como é que é? — Indagou o sujeito espantado. Enxugando as lágrimas que insistiam em rolar, a mulher esclareceu:
   — Sim, Otávio, lembra-se de quando éramos apenas dois repórteres em início de carreira e tivemos um breve envolvimento afetivo?
   — Afetivo não, sexual — completou Otávio.
   — Que seja. Logo depois do nosso envolvimento sexual, cada um partiu para trabalhar em outra empresa. Quando descobri que estava grávida decidi não te procurar, afinal eu havia planejado tudo. Queria ser mãe, mas de forma independente, sem nenhum homem controlando a minha vida.  Além disso, eu soube que você estava então namorando a minha ex-amiga, a Solange.
      Atordoado com tudo o que tinha escutado naquele almoço em que a refeição afinal nem fora pedida, Otávio solicitou um tempo para pensar no assunto.

      No dia a dia da redação, Paula e Otávio conversavam apenas o essencial do trabalho, e nenhum dos dois ousava tocar no assunto daquele almoço, até que certo dia o editor-chefe chamou a mãe de Lígia a sós num canto da redação do jornal e algo titubeante começou a falar:
   — Fiz o teste e depois de aceito, ingressei no banco de doadores de medula óssea. Ontem fui contatado pela central de transplantes e... Bem, sua intuição estava certa, Paula, sou compatível com a Lígia. Aceito doar a medula óssea para a su...para a nossa filha com uma condição: que depois do transplante você conte à Lígia que sou o pai dela. Feliz e emocionada, a jornalista abraçou-se longamente ao homem que dera uma nova esperança de vida à sua amada filha e observou:
   — Condição aceita, Otávio, afinal Lígia tem todo o direito de saber que o pai dela é o mesmo homem que salvou a sua vida, pois se Deus quiser nossa filha vai se recuperar.
  — Ótimo! Demorei para saber que tenho uma filha, agora não posso perdê-la.

      Naquela mesma noite no apartamento de Paula em Ipanema, uma adolescente frágil usando uma peruca loura se abraçava a um homem extremamente comovido e grato, pois ganhara de forma inesperada uma bela filha que precisava da sua ajuda e por que não, do seu amor.
   — Obrigada, Otávio — disse a menina com os olhos cheios d’água — o senhor vai salvar a minha vida. Pela primeira vez Paula viu o implacável e altivo editor-chefe chorar. Mas, ali não estava mais o editor-chefe de um grande jornal, apenas um pai que deseja o melhor para a sua filha.
      O nascer de um novo dia traria novas esperanças para todos.




Doação


Doar é um gesto de generosidade
Dê agasalho a quem tem frio
Dê afeto para quem está vazio
O mundo precisa de caridade

Ajude aos irmãos esfomeados
Você acha o mundo justo?
Faça algo que seja augusto
Não fique de braços cruzados

Doe seus órgãos em vida
Faça alguém não padecer
Ele poderá renascer
Esse é ponto de partida

Não tema ser um doador
Eis um ato divino!
Um caminhar lindo
Plante sementes de amor




      Estimado leitor: dedicamos o presente trabalho a todas as pessoas que estão na angustiante fila de transplantes a espera de um órgão.
      Aqueça seu coração, seja um doador de órgãos e ajude a manter a chama de uma vida acesa.

Conto de Aldrin M. Félix
Poema de AnnaLuciaGadelha




Belíssima interação! Obrigada, minha filha



A vida renasce em outro ser
É estender a mão a quem precisa
Seu sacrifício é a vida de alguém
Sempre necessitamos de alguma doação





Maria Patricio Gadelha Albuquerque









        
AnnaLuciaGadelha e Aldrin M Félix
Enviado por AnnaLuciaGadelha em 19/04/2021
Reeditado em 22/04/2021
Código do texto: T7235961
Classificação de conteúdo: seguro