Francisca

Francisca parou diante da casa amarela. Olhou para o papel onde havia anotado o endereço. Em seguida procurou o número. Comparou e constatou que aquela era a casa que procurava. Sentiu um alívio. A mais de uma hora andava procurando pelo endereço, seus pés estavam doendo, o suor escorria pelo rosto. Pensou em descansar primeiro antes de tocar a campainha. Observou o quanto o quintal estava bem cuidado, tudo simples, mas bem asseado e organizado. O terreiro estava varrido. No alpendre as plantas estavam viçosas. Uma bicicleta estava escorada na mureta. Ouviu uma música que vinha lá de dentro. Então constatou que havia alguém em casa. Teve o ímpeto de levar a mão a campainha, mas sentiu um frio na barriga, esperaria mais um pouco, afinal, não era uma situação confortável. Escolhia as palavras que deveriam ser ditas. Fechou os olhos e se lembrou de tudo que passara até chegar ali. Sentiu um cheiro de loção após barba, o mesma de vinte anos atrás. Talvez fosse a memória afetiva. Mas percebeu logo, que não. A voz surgiu em suas costas.

– A senhora deseja alguma coisa? – Sentiu um estremecimento no corpo. A voz era dele. Teve medo de se virar. Mas a voz insistiu.

– A senhora procura por alguém? Francisca se vira e encara aquele rosto.

Viu surpresa que ele mudara, mas agora tinha um ar mais seguro, decidido. Teve vontade de chorar. Talvez de raiva, não dele, mas dela. Porque tinha que procurá-lo? Agora teria que ir em frente. Mas a surpresa maior foi que ele não a reconheceu.

– Eu moro aqui, eu posso ajudá-la? Ele continuou insistindo.

– Sim. Você não se importa se eu entrar?

– Bem, qual seu nome?

– Francisca. Foi quando ele olhou, parou, e pareceu estar em choque.

– Francisca? Ele a olhava intensamente sem acreditar no que via.

– Eu mesma. Pensou que não me veria mais?

– Bem eu...vamos entrar!

Entramos na sala e ele me ofereceu um assento.

– Que loucura, nunca imaginei que a veria aqui na minha casa, como foi que me achou?

– Isso não vem ao caso agora. São vinte anos desde que você saiu para comprar pão e não voltou.

– Me desculpe, foi imaturidade de minha parte.

– Mas você podia ter conversado comigo, não precisava ir embora daquela maneira. A princípio eu pensei tanta coisa. O que teria acontecido, até que eu vi que suas roupas não estavam mais lá. Foi tudo planejado não foi?

– Eu pensei que eu estava preparado para o casamento, mas me enganei.

– Você veio em busca de uma explicação?

– Não! Tudo bem, agora não importa mais.

– Tem uma família?

– Tenho marido, um filho que já está na faculdade.

– Que bo!.

– Eu senti muito quando você partiu e levou o meu sonho.

– Me perdoe!

– Eu preciso reaver algo do passado.

– Então você ainda me ama!

– Do que você está falando?

– Você não me esqueceu e veio atrás da nossa paixão.

Nesse instante, Francisca se levanta e começa a olhar todos os cantos da casa. Ela não diz uma palavra, e parece procurar por algo.

– Você tem uma estante?

– Hein?

– Uma estante de livros? Anda pela sala procurando uma estante.

– Não, não tenho, porquê?.-- Francisca não responde, e continua procurando por algo. Então entra no quarto e é seguida pelo ex-marido que não entende nada. Abre o armário e vasculha cada canto, até que com um sorriso aliviado diz:

– Finalmente. Você não deveria ter me separado dele.

– Você veio atrás desse….livro?

– Meu livro preferido e com dedicatória do autor. Há vinte anos que eu sonho com ele.

Kelle Marinho
Enviado por Kelle Marinho em 18/04/2021
Código do texto: T7235325
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2021. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.