OS DIAS NUNCA SÃO IGUAIS
André caminhou despreocupadamente por entre as áleas do jardim municipal do bairro, sempre bem tratado, e que fizera as maravilhas da sua infância, quando ali jogava às escondidas com seu avô Jorge, ou simplesmente ouvia as suas histórias, sempre fantásticas.
Avô... sempre que se recordava dele sentia os olhos marejados de água, pois aquela doçura sempre o acompanhou até que partiu para a outra dimensão. Deixara-lhe um vazio imenso, que nunca foi preenchido, apenas atenuado quando foi pai pela primeira vez. Infelizmente, o avô não vivera o suficiente para conviver com o Rui, o seu primogénito nem com o Carlos, o seu segundo filho.
Outros dias distantes e muito marcantes foram, por exemplo, quando casou com a Jeninha, ou quando perdeu o pai num acidente de automóvel. Nele também perderam a vida os primos Raul e Dinis, bem como o condutor e acompanhante do outro carro que embateu com o do seu progenitor.
Embrenhado nestes pensamentos, quase chocou com uma pessoa que também caminhava de forma distraída. Reconheceu o seu amigo Anselmo Maltês, aposentado da Polícia Judiciária. Cumprimentaram-se efusivamente.
André morava dois quarteirões ao lado do de Maltês, só constatou essa realidade num dia em que pegaram conversa no café, a propósito do futebol. Ao perceber que ambos eram adeptos do mesmo clube, isso de imediato despertou uma empatia que se aprofundou com o tempo, já lá iam quase três anos. Tal como ele, André também era separado, o casamento não dera resultado, paciência. Os dois filhos que ambos tinham - outra coincidência - traziam-lhes alegria suficiente para viver, apesar das agruras do destino.
Anselmo Maltês era mais velho que ele uns sete ou oito anos e também tinha, tal como André, memórias que enraizavam nos seus antepassados mais velhos, no caso, seu pai, que morrera pouco tempo após terem travado conhecimento no tal café. Anselmo muitas vezes dizia que se não fossem os filhos já teria posto termo à vida. André atribuía esse desânimo a situações antigas no seu trabalho, ser inspetor da polícia trazia muito stress, situação ainda mais complicada com o facto de ter estado a combater durante dois anos em Angola, na altura colónia portuguesa em África. Estivera sob fogo várias vezes, sentira na pele a tensão resultante de combates, vira morrer muitos colegas, outros estropiados por minas, enfim, essa situação trouxera -lhe graves danos ao sistema nervoso.
Sabendo dos problemas do amigo, André acabou por concluir que até se deveria considerar um felizardo, pois sempre levara uma vida mais calma, o facto de ser mais novo levara-o a evitar a guerra, nem sequer cumprira o serviço militar obrigatório porque a descolonização poupou muitos jovens portugueses ao risco de morrerem a defender uma causa que para muitos nem era a sua. Por muito má que fosse a sua sina, haveria sempre quem estivesse pior...
Despediu-se do vizinho e recomeçou o passeio, desta vez com a mente mais aliviada...