Dostoievskiana- parte 2

Dostoievskiana- parte 2 :

Tomei a minha condução lotada, pensando , com raiva, naquele sujeito; agi como ele; dei umas cotoveladas nos outros para passar para frente; alguns reclamavam. Mas desde sempre achava que o mundo me devia algo; dava-me certa importância, desde quando recebia elogios dos professores, o que fazia com que os outros me tratassem com raiva e inveja. Às vezes me atiravam uma bola de papel, quando virava a cara. Agora vou a caminho desse modesto emprego público. Esperava mais de mim. Os outros esperavam também.

Naquela reunião de antigos amigos, sempre era indagado , como em um interrogatório : "quanto ganha?" ; "Onde mora"; "para onde foi viajar nas férias?". Eu devia fazer um relatório a respeito de minha vida e isso me aborrecia amiúde. O ônibus parava de ponto em ponto e chacoalhava. Logo chegaria ao destino.

À noite, de volta ao meu mserável cubículo, tinha raiva de mim, mesmo, raiva do mundo. Eu, que me achava mais capaz e mais esperto que os outros, mas me faltava malícia, faltava jogo de cintura; é diferente de quando se é criança; tudo é política, conchavos, rapapés e uma série de detalhes; como aquele seu ex- colega detestável;achava-o um imbecil, chamado Felizberto; esse colecionava discos da moda, vestia-se como mandava o figurino; era como um cachorrinho amestrado; e não é que conseguiu galgar uma série de postos e foi indicado para um posto no exterior? Sim o mundo é dos idiotas; as pessoas apreciam os idiotas. Toda minha lucidez de nada valia frente às leis e regras terríveis do mundo real, que se mostrava no apartamento de cima, onde novamente aquela turma se reuina para gargalhar e beber até altas horas. Já tinha reclamado no livro da portaria, mas não adiantava; pareciam um duendes loucos a me atormentar com seus risos e gritos. Parecia que tinham ganhado na loteria... Aquilo me enlouquecia; socava as paredes e não adiantava.

Amanhã, logo cedo, estaria em pé de novo.