A vida de lagartixa
Quem dá língua é lagartixa vai da língua para tua tia – era tudo o que ecoava na cabeçona do rapaz que ria abestadamente ao ver uma minúscula lagartixa colada na parede a fazer o que elas aparentemente fazem de melhor: espionar os humanos no banho. Quando você estiver a cozinhar ela estará lá; se estiver a misturar a ração nova do gato com a sobra do dia anterior, ela estará lá; se estiver a colocar talco nas meias ao invés de lavá-las, ela estará lá, a lhe espionar, na espreita como se a qualquer momento estivesse prestes a revelar seus podres a comunidade secreta das lagartixas.
A pobre, porém, estava inocentemente a cuidar da própria vida, desta vez. O riso do rapaz fora provocado por que a escassa lagartixa era cobiçosa; examinava uma borboleta com a finalidade aparente de capturá-la, entretanto, a lepidóptera era colossal – e aqui vejamos um pouco de relatividade: Colossal quando comparada a lagartixa. Escura, aveludada, as asas de ponta a ponta mediam-se mais que uma palma masculina adulta; a outra espécie por outro lado, era ínfima, se fosse muito media quase o tamanho de um pregador de roupas ou menos! E o rapaz a ver a cena amostrava os dentes vivamente – era o que mais se aproximava de uma gargalhada, mas, se alguém o ouviu certamente imaginou ser um porco a grunhir.
– Tola, na primeira abanada de asas a borboleta te derruba. Refletia o moço.
Leia rápido leitor para não perder a velocidade e verdade da ação. A briba lá firme e forte com as órbitas oculares em cima da borboleta, nem um músculo se mexia, nada passava despercebido – desta não dá para saber o que lhe passou na mente e se é que passou algo, a situação é: a parede era lisa, branca como neve – eu e a lagartixa nunca vimos a neve de perto mas deve ser alva deveras, suponhamos isso para sermos o mais fidedignos possível a cor da parede. A lagartixa estava posicionada de forma quase a parecer um círculo, o que diminuía drasticamente seu tamanho, encontrava-se do lado esquerdo da parede que ficava defronte ao jovem. Em localização central estava a borboleta. Num ímpeto tentou dar um arranque, chegou quase a bater asas por que notou uma lagartixa posta do seu outro lado muito graúda e erguia a cabeça em sua direção, na tentativa de fuga do ataque pela direita ela tentou desvencilhar-se e hipoteticamente conseguiu, tonteou para a esquerda sem recordar-se do outro mínimo perigo que lá encontrava-se.
Agora pensas tu, coitada da pequena lagartixa estava lá já algum tempo a examinar a vítima e vem a outra e... Surpresa a lagartixa maior tentou fazer a borboleta de refeição, contudo, os reflexos da possível vítima estavam bons.
Por falta de sorte da borboleta; ironia, talvez acaso da vida da lagartixinha – ou zombaria do destino, a lagartixa pequenina que estava a espreita, num ímpeto conseguiu abocanhar com uma precisão cirúrgica um cadinho de asa da borboleta, nada que lhe ceifasse a vida ou lhe machucasse gravemente, apenas o necessário para fazer-lhe desequilibrar, rodopiar e aproximar-se do chão e em seguida estatelar-se. A grande lagartixa por maior que fosse e muitíssima vontade de comer estivesse não conseguiu prender a borboleta, tampouco a pequena que apesar de ainda conseguir encostar os dentes nela não foi suficiente para lhe deter. Enquanto isso o rapaz olhava tudo a achar a maior graça da desgraça das lagartixas na parede.
Estática no chão estava uma outra lagartixa que acompanhara todo o desenrolar das ações das colegas e estando na hora e local certo aproveitou a oportunidade e abocanhou a borboleta que caíra – por mais que não tivesse esboçado trabalho nenhum para capturá-la.
Na ausência de bola de cristal e sem cartas de tarô para consultar é impreciso dizer o que aconteceria caso essa tal lagartixa oportunista não estivesse no chão naquele exato momento. As outras duas desceriam e então saboreariam a borboleta? A borboleta recompor-se ia e voaria para longe? Quem sabe? Eu não sei!
Subitamente o rapaz agora já não sorria, parecia estar revoltado com um ato dentro do espetáculo. A princípio desacreditou da pequenina e agora revoltara-se por que ela tivera participação para derrubar o lanche, mas não receberá nada.
– Que injusto! Ponderou ele.
E o sentimento de zombaria transformou-se em compadecimento, talvez até remorso da chacota que fizera a pouco a labigó.
Num súbito, têmis – a felina do rapaz, dentou a barriga do bicho que tão ocupado em querer devorar o que não era seu, não deu-se conta da ameaça eminente que se projetava próximo de si exalada pela gata que agora destroçava em múltiplos pedaços o corpo da lagartuxa que nesse momento já não tentava mais comer a borboleta e sim salvar a própria vida inutilmente, era tarde.
Apropriar-se daquilo que você não lutou para conquistar pode parecer proveitoso e conveniente no momento, mas a longo prazo não. Era essa a ideia que pairava na mente do moço já então satisfeito com o desfecho da história. Refletiu.
– Sábia felina! vai ver é por isso que os egípcios veneravam tanto os gatos!
Quando a gata saiu do ângulo de visão dos lagartos que estavam na parede, a regeneração das suas esperanças floresceu e as lagartixas apressaram-se em agarrar o que lhes pertencia e viveram felizes com a pirueta do destino.