Uma noite no bar
Numa noite dessas em que a gente se sente único no mundo, sai em busca de um bar. Assim como se busca por uma igreja aqueles que não se sentem lembrados por Deus. Não precisei andar muito pra encontrar um. Ao adentrá-lo percebi quão fantástico é o mundo dos que habitam tal recinto. Acheguei-me ao balcão e apoiado sobre o cotovelo direito dei uma rápida olhada nas garrafas antes de pedir ao dono do bar que me servisse um conhaque puro. O dono do bar era do tipo forte cujos músculos flácidos derretiam-se ao balançar gelatinoso de seus movimentos. Acendi um cigarro barato enquanto me servia a bebida. A fumaça amarelada parecia dançar ao ritmo das vozes e tilintares de copos e garrafas.
Na parte de dentro do balcão uma mulher feia e triste olhava-me com um olhar cansado e curioso, como se perguntasse minha idade e se em minha vida um dia amara alguém. O copo em minha frente cujo conhaque de tom duvidoso aguardava meus lábios molhados por uma saliva grossa, parecia ter sido usado pela derradeira vez sem ter sido lavado antes. Pois as marcas de dedos nele carimbadas não poderiam ser todas somente do dono do bar. De repente um som de garrafa quando cai ecoou por todo o bar. E um silêncio sacramentador puniu todos os que tiveram que perder o fio da meada antes alimentada por doses libertadoras.
E a mulher atrás do balcão continuava a me olhar. Não se abalou com o que acabara de acontecer. O dono do bar munido de vassoura e um resto de pá, de uma forma lentamente rápida fez com que o silêncio sacramentado voltasse ao seu vil pecado.
Num canto à minha esquerda um homem de meia idade e muitos projetos na cabeça parecia chorar enquanto falava a um amigo imaginário sobre seus filhos cuja separação os distanciaram. Noutro canto mais pra fora do que dentro do bar, uma mulher negra e de poucos dentes gargalhava e falava alto obrigando aos seus interlocutores a segui-la no tom de voz e nos próprios movimentos. Três homens diferentemente iguais arriscavam sem pudor algum alegrar o ambiente de uma forma sertaneja. E o tilintar das garrafas e copos misturados aos diferentes sons produzidos pelo calor daquele ambiente pareceu-me música de repente após a segunda dose de conhaque. Percebi que a mulher atrás do balcão havia dormido sentada num botijão de gás e que suas unhas tiveram a vida roubada por uma doença comum. O dono do bar de olhar dobrado mexia em tudo o que estava ao seu alcance apenas pelo hábito de não ficar parado. O som da descarga vindo do banheiro semelhante aos palavrões cuspidos das bocas complementava a orquestra barisial.
Numa noite dessas em que a gente se sente bem acompanhado sai do bar deixando sobre o balcão sujo e arranhado algumas moedas de tamanhos diferentes. E percebi que os ponteiros do relógio daquele bar não marcavam horas, pois ainda era a mesma que me recebera. Enquanto caminhava em direção oposta à minha casa, eis que ouço outro quebrar de garrafas, e um grito em conjunto fez-me recordar a alegria estudantil quando do lado de fora da escola a garrafa de vinho tinto escorregava de nossas mãos.
Se me perguntassem naquele momento se eu estava chorando, diria que não. Culparia a fumaça do cigarro barato que arde os olhos como se exigisse lágrimas por sua dança triste.