A cidade sem ar – Parte 3
Ao sair do hospital Delfina Aziz, onde ficou internada por 25 dias com Covid-19, Patrícia ouviu mais não entendeu aquele convite: “Vamos ver o sol nascer?”.
Tentando recuperar os sentidos, tudo o que ela conseguiu dizer foi: – Preciso sair desse hospital o mais rápido possível. Aqui eu vivi os piores dias de minha vida.
Manaus como uma boa amiga, lhe disse: – Seu pedido é uma ordem. Depois, virando-se para o motorista do táxi disse: – Leve-nos ao hotel “Santa Cruz”. Você sabe onde fica? – Sim senhora, conheço essa cidade como a palma da minha mão.
No táxi ambos conversavam: – Eu não sei nem o que dizer, estou sem palavras para agradecer por tudo o que você fez por mim. – Não precisa, fiz de coração. – Ninguém faz o que você fez por um desconhecido. – Não somos desconhecidas. Somos amigas. – Sim, mas eu não lhe conhecia até você fazer aquele discurso na ONU. – Você estava lá? – Sim. – O que achou? – Impactante.
O taxista liga o rádio. Som ambiente e agradável. As amigas olham-se e voltam a conversar. – Tem coisas que não tem explicação. Eu que nunca tinha saído de minha terra natal e de repente me vejo discursando na Assembleia Geral da ONU. – Isso demostra que sonhar vale a pena. – Verdade. A vida sem sonho não é vida. – Concordo contigo. – Um ser humano sem sonho não passa de uma pedra, ou seja, é um nada. – Verdade amiga.
– Pelo que eu observo, você sabe mais de mim do que eu sei de você. Fale-me de você – indagou Manaus. Patrícia, parecendo estar diante de uma velha amiga, abriu o seu coração. Falou que desde menina começou a plantar amores-perfeitos. A mãe trazia-lhes os envelopes, cheios de sementes, junto com os panos para bordar. Um estratagema para mantê-la quieta, desconfiou anos depois, quando já estava na faculdade cursando jornalismo, foi o que disse.
– Paralelo a minha plantação de amores-perfeitos, eu sempre gostei de escrever. Escrevia cartinha para o pai, todo dia que ele saia para trabalhar. Para mim ele não voltaria nunca mais. Escrevia também para a minha mãe quando ia ao supermercado. Na minha cabecinha, quem saia de casa não voltava mais. Sei lá, pensamentos estranhos aqueles.
E continuou falando. – Eu escrevia para os meus tios que moravam longe da gente, noutra cidade. Escrevia para a minha professora e, principalmente, para os meus amigos imaginários. Claro, todas essas cartinhas eu não mostrava para ninguém. Um dia, uma dessas minhas cartinhas veio a público. E aí, todos ficaram sabendo do meu amor pela minha prima. Na carta, eu dizia que amava muito. Eu me declarava para ela. Eu tinha dez anos na época. Sabe o que os meus pais mim falaram? – O que eles falaram? – Nada. Então eu cresci gostando de garotas.
Um breve silêncio se fez. O taxista aumentou o volume do rádio e nele tocava a canção “Amor perfeito” de Roberto Carlos. Manaus voltou a falar. Agora sussurrando em seu ouvido: – Você é feliz? – Como assim, feliz? – Feliz. Você é feliz? – Sei lá. Alguém é feliz nesta vida? – Muita gente. Por exemplo, eu sou feliz. – Dizem que a felicidade verdadeira só em Jesus. – Eu não estou falando de religião e sim da vida, da sua vida. Você é feliz desse jeito?
Quando Patrícia ia começando a responder, foi interrompida pela fala do taxista: - Pronto, chegamos. E foi ali, bem na frente do hotel “Santa Cruz”, na Avenida Joaquim Nabuco, no Centro de Manaus, que elas desceram. – No quarto continuaremos essa nossa conversa – disse Manaus. Patrícia concordou balançando a cabeça positivamente.