AJUSTES CONJUGAIS

AJUSTES CONJUGAIS

BETO MACHADO

Os ajustes entre marido e mulher, em qualquer tempo, são coisas corriqueiras, não levadas ao patamar da devida importância nem pelos casais que pretendam dar à sua união uma longevidade razoável, nem por aqueles que trocam de par, por qualquer briguinha.

Os vinte anos de um casamento, balançado, deram a Denise uma certeza: são os impulsos do seu coração que impedem que ela se separe do Adelmo. Ele, um homem de difícil trato no convívio social. Conhecido como o rei da arrogância, na vizinhança. Ela, o oposto dele: solidária, solícita e afável.

Enquanto Adelmo carrega com seu nome um altíssimo grau de rejeição na comunidade que abriga grande parte de sua família, Denise dissemina sua simpatia por onde passa. E isso lhe rende um expressivo sucesso na sua atividade laboral. A tal ponto que, quando ela precisa ausentar-se de sua lanchonete, o movimento cai, consideravelmente. Pensem numa pessoa quase unanimidade. É ela.

Custa muito caro para o racional de Adelmo ter que admitir que o motivo do sucesso da loja da sua família é a presença da sua mulher e não só a qualidade dos produtos vendidos. A mente dele não consegue entender que não é somente a presença dela, mas sim a alta qualidade no atendimento que Denise dispensa à sua clientela. E essa clientela não esconde o descontentamento quanto à presença dele no ambiente. Vários clientes passam de carro, tão somente para se certificarem se ele está no recinto.

Com a sutileza que lhe é peculiar, Denise induz ao marido fazer alguma coisa que o obrigue ficar longe da lanchonete no horário de pico. Ela sabe que a presença dele espanta a clientela. Só ele não sabe disso. Ou finge não saber.

Se, por um acaso, algum partido político precisar de um candidato pra completar seu “laranjal”, é só filiá-lo. Se não houver nenhum impedimento na campanha, ele garantirá dois votos. O dele e o da Denise. Não precisa contar com os votos dos filhos, muito menos com colaborações na campanha.

Pobre Denise!... Ela é daquele tipo de mulher que se alimenta da presença do marido, desde que ele não intervenha, negativamente, nos trabalhos da lanchonete... Se, por acaso, ele for embora de casa, ela morre de inanição.

Mas é de bom alvitre que não se dê idéia pra essa gente da política, pois eles já têm seu reservatório de idéias macabras e anti éticas, transbordando. Até porque nada é tão ruim que não possa piorar. Vai que a ZEBRA migre do futebol para a política! Aí a VACA vai pro brejo, com corda e tudo, já no dia da diplomação dos eleitos.

Imaginem Adelmo, com toda sua empáfia, virando as costas para os vizinhos que votaram nele, acreditando nas mentiras estampadas nos panfletos, pagos pelo partido, para justificar despesas super faturadas e verbas de idas e voltas. Ações políticas que caracterizam e comprovam a presença de candidatos laranja, enlameando o processo eleitoral no Brasil, em todos os anos pares.

Certa ocasião, um ex-cabo eleitoral de um Senador da República, representante de um estado nordestino, pediu explicação e uma justificativa para a sua demissão, por não aceitar devolver parte do seu salário para o tesoureiro do gabinete do doutor Fábio Porto.

___ Oh, Cabra, tu não sabe o nome do salário de vocês não?

___ Salário não tem nome não, doutor. O que tem nome é o voto.

___ Pois, então, me diga o nome do voto.

___ O voto é tão importante que chega ter dois nomes.

___ Pois diga lá, quais são.

___ SUFICIENTE e INSUFICIENTE.

___ Cabra da moléstia, onde foi que tu aprendeu isso?... Antes de responder, já se considere readmitido.

___ Obrigado, doutor... Pois eu aprendi tudo que sei sobre política, trabalhando aqui.

___ Daqui pra frente vou passar a escutar mais meus assessores... Devo ter perdido muito “ouro” vazado pelos furos dessa “bateia”.

___ Verdade... Meu pai dizia que “é o olho do dono que engorda o gado”.

___ Vai lá falar com o Plínio. Diga que já falou comigo. E que você ta fora do “Vai e Vem”.

Plínio é o chefe administrativo do gabinete do senador Fábio Porto. É o homem que domina todas as nomenclaturas, terminologias e meandros que fazem funcionar o Senado Federal Brasileiro. São quase trinta anos de serviços administrativos prestados tanto para o CÔNCAVO quanto para o CONVEXO. Ele diz que conhece mais as dependências das duas “casas” legislativas de BRASÍLIA do que os cômodos da sua própria residência.

Mas os ventos da sorte ainda não sopraram para o lado de Adelmo. Os seus vizinhos de comunidade, os munícipes e os naturais do seu estado continuam livres do risco de incorrerem no equívoco de votarem numa “íngua”, como Adelmo é chamado, quando solta algumas de suas “pérolas”, destratando alguém da clientela da lanchonete.

Parece que a fama de anti-social de Adelmo correu mundo. Chegou aos ouvidos de líderes comunitários e agentes da política local e adjacente. Menos mal.

Enquanto a Paz reina absoluta nas ruas daquele “Paraíso”, vez por outra, o “bicho pega” nas dependências do lar de Denise e Adelmo. Invariavelmente, o principal motivo dos atritos é a implicância de Adelmo com o casal de filhos. Denise, mãe mais que zelosa, nutre pelos filhos, jovens adultos, mas ainda não emancipados, aquele sentimento das mães super protetoras. Algumas vezes tentou reconhecer que estava fazendo mal para a educação dos filhos. Só que o limite ou o tempo de trégua, depende da maneira de tratar os filhos, por parte do marido. Se ela presenciar ou souber de alguma discussão de Adelmo com algum dos filhos, desanda tudo. Vários dias de relações cortadas. Fora as ameaças de separação de corpos.

A sorte de Adelmo é que as vezes que eles separaram seus corpos, Denise não suportou mais que uma semana. E, com a mesma naturalidade com que se separa, volta às boas, sem o menor constrangimento.

É evidente que esse tipo de decisão só é tomado por pessoas que seguem, fielmente, as ordens do coração. Atitudes essas que passam ao largo do racional. Tenho a impressão que, nessas horas, o ser humano se aproxima do seu estado natural mais primitivo. De tal forma que seu emocional coloca seu racional no bolso, sem dó nem piedade.

Roberto Candido Machado
Enviado por Roberto Candido Machado em 05/04/2021
Código do texto: T7224773
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