À PROCURA DOS ESCRITOS PROFANOS
Capitulo 1
O encontro com o texto proibido.
*Por Antônio F. Bispo
Doulos era um jovem religioso que nasceu, cresceu e viveu durante toda sua existência “nos caminhos do senhor”.
Aqueles que faziam parte do seu círculo de amizade eram todos do mesmo círculo religioso qual ele fazia parte. Diziam-se puritanos, e consideravam que amizades com “pessoas do mundo”, “crentes de outras seitas” ou “crentes desconvertidos” poderia macular sua pureza espiritual.
Toda visão de mundo e da vida provinha da vivencia com outros crentes e da “palavra da verdade”. A curiosidade para pesquisar sobre outros assuntos era imensa, mas o medo da punição e exposição ao ridículo era maior. Suas fontes de pesquisas eram todas orientadas e policiadas.
Seus líderes, além de indicar a fonte de pesquisa, dava também a interpretação pronta da busca, inibindo assim todo “esforço de pensar”, todas com “respaldo bíblico”, evitando dessa forma que qualquer crente pudesse “se contaminar” com “libertinos da fé, da moral e dos bons costumes”.
Sua igreja era bem organizada, preocupada com a educação (doutrinação) do rebanho e caso algum crente quisesse e tivesse condições de pagar, a igreja dispunha de uma estrutura particular de aprendizado que ia do maternal ao ensino superior.
Tudo era parametrizado e rearranjado para que os ensinos seculares estivessem sujeitos e de acordo “com os ensinos divinos”. O mesmo era exigido do corpo docente. Eles precisavam falar a mesma língua e concordar em tudo com a ideologia da escola-igreja, caso contrário a demissão era certa.
Sua igreja tinha mais de 100 anos de existência estava em mais de 30 países. Possuía uma poderio financeiro muito grande, e interesse que os seus membros do berço à sepultura permanecesse naquela instituição.
Doulos se orgulhava disso. De ter nascido na igreja certa e de servir ao deus certo da forma correta. Sua vaga nos céus estava garantida-ele pensava.
Um certo dia navegando em site, ele leu pela primeira vez um texto que ia de encontro a tudo o que ele havia aprendido e ficou confuso.
Naqueles dias ele, estava prestes a iniciar um curso superior nessa “escola de santos”, e julgava estar preparado para enfrentar qualquer ateu ou responder as quaisquer heresias de outras igrejas que porventura tentassem abalar sua fé. Porém, ali estava ele naquele instante, mentalmente perturbado após ler um simples discurso que ocupava um espaço menor que 5 laudas em papel ofício.
Logo ele, que dizia estar calçado na verdade e armado com escudo da fé. Que externamente demonstrava ser um Golias quando estava entre os seus, arguindo, argumentando, humilhando e destroçando qualquer um que tentasse colocar um pingo fora do “i”, agora estava ali, sozinho naquele quarto, em frente ao computador, diante daquela publicação...sentia-se como um desnutrido, um debilitado, como alguém que passou a vida inteira alimentando-se apenas de um único tipo de vitamina, e agora quando pôs a primeira vez os pés “no chão de terra bruta”, sentiu-se como se todas as suas defesas imunológicas estivessem sido vencidas por microrganismo, enfraquecendo-o de imediato.
Sua auto imagem de Golias, deu lugar a uma imagem mental de um jovem despido, com frio e sozinho num quarto escuro desconhecido. Assim sentira-se ao ler aquela publicação.
Um serie de reações emocionais instantâneas lhe foram provocadas depois da leitura. Ele passou mal, só não entendia o porquê. À princípio ele ficou deslumbrado por que nunca tinha tido acesso aquele tipo de conteúdo. Era uma informação avessa ao que sua igreja professava, além de ser estritamente proibida.
Já que todo o conhecimento que ele tinha tido acesso até então era produzido, escrito ou ensinado “por uma pessoa santa”, quem poderia ser capaz de produzir um conteúdo tão fabuloso?
Ele sempre “soubera” que “pecador” não capaz de produzir nada de bom, honesto ou moralmente proveitoso. Em sua linha de aprendizado, tudo o que havia de bom ou proveitoso no mundo havia sido criado por deus ou por um servo seu. Mas ali estava ele, deleitando-se naquele tipo de escrita herege, que preenchia justamente centenas de lacunas que a igreja jamais fora capaz de preencher.
Ele teve vontade de saber mais sobre o autor do texto, suas ideias e até seu estilo de vida e assim o fez. Como um “um abismo leva à outro abismo”, logo ele estava pesquisando sobre todos os tipos de assuntos relacionados ao tema e sobre outros autores hereges que sua igreja condenava.
Naquele instante proibido parecia ser tão gostoso...
De repente, como em um surto ele voltou a si e falou:
-Uhhhh....Quanta imundice!
Ele foi tomado por um nojo de si mesmo, de tudo aquilo que estava fazendo, por estar se deleitando naquelas “porcarias” ao invés de alimentar-se no “maná dos céus” que deus por meio de seus ungidos lhe enviava todos os dias
Depois do nojo ele sentiu culpa!
Sentia estar traindo à Cristo, aos seus ensinamentos e a “noiva do cordeiro” ou seja: a igreja qual ele era membro. Ele arrependeu-se de ter lido aquilo.
Largou a leitura, orou, pediu, perdão a deus, a jesus e ao espirito santo.
No outro dia, assim que fosse possível, ele pediria também perdão ao seu pastor e a sua amada igreja por ter cometido tamanha infâmia. Ele jurou a si mesmo que jamais faria aquilo outra vez.
Logo após o sentimento de culpa veio uma raiva tremenda.
Ele sentiu raiva da pessoa que escreveu aquilo. Considerou que tal pessoa fora de forma consciente ou desavisada, um instrumento do diabo para minar a sua fé.
Culpou o diabo e seus anjos por tentar o homem desde o Éden; culpou o site que hospedou aquela postagem; os mantenedores daquele sistema; a própria internet por dar acesso irrestrito àquele tipo de conteúdo e culpou inclusive ao próprio deus por permitir tudo aquilo, por permitir que ele caísse no “laço do diabo”, lendo coisas que o deixaria abalado, trazendo toda aquela gama de emoções confusas que até então não tinha sentido.
Ao perceber que culpara inclusive o próprio deus por seu “deslize”, sentiu uma culpa ainda maior. Rogou o perdão divino de forma ainda mais intensa e martirizou-se por duas horas, lendo em sequência alguns dos profetas menores, para lembrar-se que a ira de deus traria duras consequências para qualquer um que se afastasse de seus santos caminhos...
Naquela ao adormecer, Doulos sonhou com uma aliança quebrada. Ele entendeu que aquilo era um sinal de que cristo, o noivo da igreja estava rompendo o matrimonio com ele. Ele ficou desesperado. Isso não podia ficar assim.
Acordou sobressaltado de madrugada, orou, leu alguns salmos e depois tornou a dormir. Dessa vez em seus sonhos, demônios o aguardavam em um precipício no fim “do caminho largo”, enquanto “na porta estreita” do outro lado, ele via os santos recebendo sua recompensa. Tudo isso por lido aquela publicação herética.
O que de fato era aquilo? Aqueles sonhos eram presságios? Era realmente deus lhe revelando algo sobre seu futuro ou era apenas o resultado de uma mente cauterizada pela fé? A confusão só aumentava...
Durante toda sua jornada de crente, a única coisa que sentira sobre deus era medo, mas como todo bom cristão, era obrigado a dizer que o que sentia por deus era amor. Ele morria de medo da imagem implantada daquele velhinho milenar, que a todos observa, adotando-lhes os erros para depois executar o castigo. Quem em sã consciência seria capaz de amar alguém com as características e personalidade do deus bíblico? Ele sentia pavor, mas tinha medo de assumir, assim como todos os que conhecia. Tinha medo só em pensar algo negativo sobre deus, já que ele lia até os pensamentos.
Naquela noite depois do pesadelo ele não conseguiu mais dormir e assim que o sol raiou, fora direto ao pastor se confessar. Ele não queria que os seus pais soubessem que ele “estava em pecado” e saiu sem dizer o motivo da visita.
Ao chegar na casa do líder religioso, ele chorou, pediu perdão a deus outra vez na frente do “ungido de deus”, a todos os santos e profeta que a igreja venerava e a comunidade de santos que faziam parte da “amada igreja de cristo”.
O pastor orou por ele, pediu que ele não mais fizesse aquilo e tudo ficaria bem. Disse-lhe que o diabo era astuto e que tudo isso era plano do capeta para desvia-lo dos caminhos do senhor. Afirmou também que deus tinha uma missão especial em sua via e por isso o maligno o tentaria outras vezes, mas que ele jejuasse e orasse para ser forte nas tentações.
Ele voltou para casa leve, depois de ter confessado seu tremendo “pecado”. Porém o texto não lhe saia da cabeça. Um grito pela liberdade de pensamento, de expressão, de comportamento e de decisões próprias ecoavam bem lá do fundo de sua consciência. Esse grito estava lá desde sua infância. Antes porém era bem fraco, agora porém, à medida que ele crescia e tentava se relacionar com outras pessoas, vendo outros estilos de vida, esse desejo de ser, tornava-se cada vez maior.
Nunca se sentira como um indivíduo. O tempo inteiro sentia-se literalmente como uma ovelha, apenas obedecendo e seguindo seus pastores, mas não era isso que ele queria para si. Ler aquele texto foi como se ele tivesse aberto a caixa de pandora e soltado todos os gritos (indagações) de sua consciência. Sua voz interior dizia:
-Quem eu sou? Quem somos nós? De onde viemos? Para onde vamos? O que fazemos aqui? Por que sou e penso desse modo e não daquele outro? Por que a igreja nos fiscaliza tanto? Quem garante que eles estão certos? Quem lhes deu esse direito? Por que o mundo é assim? Por que deus não prende o diabo de uma vez por todas e encerra essa briga eterna? Se tudo o que deus faz é perfeito, por que tanto caos no mundo? Se ele é quem nos controla e nos governa, por que o homem deveria ser penalizado pelos seus atos já que é deus quem gerencia o mundo....
Um turbilhão de emoções distintas lutavam entre si. Parecia que aquela briga cósmica entre deus e o seu algoz havia sido transferido para sua frágil mente de jovem crente.
Era demais pra ele...ele parecia surtar.
Como um adolescente em puberdade que não consegue se controlar, ele desejava muito ver outra vez aquele “conteúdo indecente”. E assim o fez. Entrou em seu quarto, trancou-se e outra vez acessou o blog do escritor.
Rapidamente o seu espírito acalmou. Sua alma não estava mais perturbada e ele deleitava-se outra vez naqueles “escritos profanos”. Era como se fosse uma “masturbação mental” e ele queria logo atingir o clímax, mesmo sabendo que depois iria se arrepender e se culpar.
Ele questionou-se sobre onde estava de fato o problema. Se no escrito, no escritor ou nele mesmo que andava dia e noite com um cabrestão da fé e que não dava um passo sequer na própria vida sem a “orientação divina”. A resposta era clara, mas ele não queria assumir.
Ao chegar nessa conclusão, outra onda de raiva lhe acometeu e dessa vez ele passou a sentir raiva do seu pastor, da sua igreja e de toda hierarquia dos santos.
Quem estava de fato mentindo? O escritor ou o seu pastor?
Começou a ponderar colocar tudo na balança. Admitiu que autor daquele texto não era apelativo, não era proselitista, não afirmava nenhuma verdade absoluta, não ameaçava, condenava ou julgava quem não concordasse com ele, apenas expunha o seu ponto de vista sobre um assunto.
O seu pastor porém, além de ser apelativo, dono da verdade e inquisidor, em quase tudo o que ensinava dizia: “e quem não crê será condenado”!
Quando ia pedir o dízimo na igreja ameaçava os crentes, intimidava-os e chamava de ladrão e destinado ao inferno quem não contribuísse.
Quando saíam a evangelizar, o seu pastor dizia que quem não desse frutos para reino de deus, mesmo sendo salvo corria o risco de perder a própria salvação se durante toda à vida de crente, não fizesse ao menos um prosélito pra o reino de deus.
Acima de tudo e acima de qualquer coisa, era dito com frequência pelo próprio pastor, que o maior de todos os pecados que alguém poderia cometer era rebelar-se contra um pastor. O rebelar-se ia desde um enfrentamento direto, quanto a não observação de algum de seus conselhos ou ensinamentos. A maldição era certa.
Enfermidades, mortes trágicas e incidentes diversos seria o resultado final para qualquer um que desafiasse um ungido de deus, no caso ele.
Por que tanta ameaça? Nem parecia estar em uma igreja. Parecia mais que ele estava em uma associação de criminosos poderosos, cujo chefe maior, por meio do caos, tentava manter-se em supremacia.
Quem era de fato o ser maligno nesse caso? Quem estava ocultando a verdade? Quem era o mentiroso? O seu líder ou “o mundo”?
O seu conflito interno só aumentava...Sua raiva também!
Como uma gestante em dias de parto, ele estava prestes a parir, mas não sabia de fato quem era o pai ou com quem esse filho seria parecido. Ele havia sido “fecundado pelos olhos” ao ler aquele “texto maldito” e agora não apenas os seus olhos, mas também os seus ouvidos também queriam ouvir aquilo outras vezes e sua boca desejava beber daquela fonte impura, daquela que possivelmente havia conduzido Eva a desgraça.
A luta entre o conhecimento e a ignorância estava apenas começando em seu interior...
CONTINUA NO PRÓXIMO CAPÍTULO.
Texto escrito em 3/4/21
*Antônio F. Bispo é graduando em jornalismo, Bacharel em Teologia, estudante de religiões e filosofia.