No mais fundo de minha alma

Quando eu boiava na superfície, eu tinha uma sensação de uma estranha liberdade. As águas me colocavam para cima e deixavam meu corpo super leve. - Abri os braços lentamente no momento em que o sol em um raio forte quase me cegou. Fechei os olhos e o corpo fez o restante; - Um espírito sendo segurado de forma branda, como um bebê que descansa sobre o colo da mãe. - Está aí o grande sol, que ilumina o dia e expande pelo céu, um tom de azul clarinho, Iemanjá, a minha proteção. Bom demais para ser verdade. A água me sugou e meu corpo virou um peso. Afundei.

Tossi bastante e sentia muita água sair dos meus pulmões como se arrancasse um pedaço deles; Meus olhos ardiam e o nariz estava completamente entupido. Me vi jogado no chão ao lado da piscina todo molhado, com frio, medo e com a consciência turva. As imagens, no pouco que podia abrir dos olhos estavam ofuscadas e meus ouvidos não captavam com perfeição o som. - Será que eu quase morri? Ou pior, será que morri?

Depois de algumas horas pude entender que para um cara que não sabe nadar, deixar o corpo tão leve em uma piscina funda era uma péssima ideia. - Seu louco, você poderia ter morrido! - comecei a decifrar. Aquecido pelo fim da tarde, sequinho e com minha camisa branca favorita, me sentei diante daquele cenário paradisíaco que há poucos momentos atrás era o meu filme de terror. - O quanto a alma é impotente quando o corpo está em perigo, mas como ela é potente em colocar o corpo em perigo. A tarde se transformou em noite e eu estava ali, no mesmo lugar.

Meu celular vibrou no bolso da barmuda e demorei um pouco para agarrá-lo, estava tão envolvido nos meus pensamentos que o toque me tirou abruptamente das minhas abstrações; Perdi a primeira chamada. - Ele vai ligar de novo em 3... 2... 1...

- Alô?

- Ei, você não vai vir para o jantar? Sumiu o dia inteiro. - sua voz ecoou do outro lado da linha.

Os últimos raios em um tom alaranjado fogo se findou na linha do horizonte. Daquela altura eu podia ver outros prédios com montanhas atrás. E lá o sol se enfiou. O céu ficou escuro e as estrelas cada vez mais brilhantes naquela planície. As horas passam tão rápido quando gostaríamos que passassem devagar. A alma se perde no tempo, como o tempo da alma é só dela mesmo.

Entrei pelo hall do Hotel e em seguida já estava em um enorme salão com mesas espalhadas para todos os cantos. Estava lotado! Pessoas ocupavam cada uma dessas mesas. Homens e mulheres de classe alta. Com seus filhos - pequenos príncipes; mulheres lindas e jovens, umas pareciam mais objetos do que mulheres e a maioria dos homens eram de mais idade, com seus ternos caros, uísques no copo em conversas escandalosas.

Me senti observado por muitas pessoas. Alguns olhares me atravessavam como se fossem me engolir. Abaixei a cabeça para tentar ser um pouco mais discreto e meus cabelos fizeram o restante, cobrindo um pouco do meu rosto. Por fim, localizei a mesa onde eu deveria estar - gostaria? Me joguei na cadeira e tentei ser cordial com os senhores que estavam em volta de mim.

- Esse é Miguel. - Ele me apresentou aos demais.

Sorri tentando ser mínimamente cordial.

- Que cara é essa? - ele sussurou ao meu lado. - Você não vai estragar o meu jantar.

- Não se preocupe, seu troféu está aqui para ser admirado.

- Bom rapaz.

Aquelas montanhas eram um ambiente muito melhor, certamente agora à noite elas estariam em um completo breu. Apenas as luzes dos grandes prédios se sobrepunham nas alturas. Mas eu queria era estar diante da lua, um enorme globo cristal. Certamente estava uma noite encantadora de verão. O céus e minha mente inquieta teriam muito mais a me oferecer do que aquele ambiente completamente tóxico.

Os perigos da rua, o corre nas vielas, o clima tenso e a música alta. O som da macumba nos corredores, cultivo da fé - se não a fé, o que os manteria fortes nessa luta? Na casa de Dona Olinda, ela no chão ajoelhada para as velas, com um terço nas mãos implorando misericórdia para Nossa Senhora; - Mãe, como eu queria misericórdia de mim! "- seu pai não te aceita aqui, Maicon!" E o que ela poderia fazer por mim? Tantas coisas. Como uma vez, que trabalhou 12 horas, um dia pesado de faxina na casa dos granfinos. Tudo o que pôde arrecadar, fez questão de gastar tudo uma bicicleta, só para sorrir me vendo descer as ladeiras das vielas com os meninos atrás de pipa.

Mas eu desci ao fundo, então me encarei em um beco sem saída. Mas a alma pulsava por algo melhor. Eu estava em uma altitude tão baixa que poderia ir para a praia, correr na areia e me enfiar nas ondas, mas olha só como são altas as montanhas! - Eu não queria estar ali.

- Você é uma criança tão linda. - disse um estranho.

Aquilo me encantou. Encheu meus olhos de um júbilo que eu nunca tinha lançado à vida. Era a alma sendo aceita por outra alma. Mas essa era perversa. Ele me fez ver o quanto eu era interessante por fora, mas degradado por dentro.

- Quer ir ali com o tio?

Eu era só uma criança.

- Está gostando do champanhe? - um dos caras disse enquanto me encarava com sarcasmo.

- Estou amando tudo. - respondi com um sorriso irônico no rosto.

- O que você mais gosta de fazer no Leblon além de chamar a atenção? - ele respondeu.

Aproveitou um instante que Rodolfo tinha ido ao banheiro para lançar essa. Certamente estava insatisfeito com sua mulher e filhos.

- Meu esporte favorito é mexer na carteira de uns tiozões, e o seu? Seria enchê-la com dinheiro dos outros?

- O que está insinuando, garoto?

A mesa tinha mais outros 2 caras, ambos olhavam espantados para a situação.

- Boa palavra, garoto... gosto de me sentir jovem. - o garçom passava, e eu o chamei. - Me traga uma garrafa desta aqui. - exibi a taça. - O quanto antes, porque já estou indo embora, meu parceiro vai acertar tudo. - voltei ao trio. - Prossigam com este petit comité, vou dar um mergulho.

- Se se afogar de novo, faço questão de sinalizar o salva-vidas que o deixe lá. - Rodolfo disse atrás de mim.

Quando eu boiava na superfície, eu tinha uma sensação de uma estranha liberdade. As águas me colocavam para cima e deixavam meu corpo super leve. - Abri os braços lentamente no momento em que o sol em um raio forte quase me cegou. Fechei os olhos e o corpo fez o restante; - Meu espírito era segurado por um colo fraterno e doce, como um bebê no colo de sua mãe. Meu coração explodia. Uma sensação de desespero tomou conta de mim de forma que eu não conseguisse me distrair e então eu pedi a Deus que cuidasse dela e afoguei minha cabeça. Meu corpo se tornou uma âncora e eu afundei.

Submerso e perdendo a consciência, só me recordo de uma companhia ao meu lado, um anjo com suas asas longas. Ele me puxou para fora e respirei o mais fundo enfiando a maior quantidade de ar nos pulmões. - Fiz isso de novo.

- Socorro! - acordei no meio da noite.

- O que houve? - Rodolfo deu um pulo ao meu lado.

- Tive um pesadelo. - saltei da cama.

O ambiente era bem diferente do belo Hotel no Leblon que estávamos. - Nem era perto da praia e nem tinha piscina. Era um quarto simples em Belford Roxo, janela pequena e quadrada, paredes brancas bem retocadas, móveis semi novos. - Uma vida nova se iniciava ao lado da pessoa que eu escolhi me casar. Escolhi? Ele tinha uns anos a mais que eu, poderia me entender melhor e cuidar de mim. Quando eu não tinha mais ninguém para contar nessa vida.

- Eu não queria me sentir tão sozinho. - eu disse com os olhos coberto em lágrimas.

- Você não está sozinho. - Ele disse colocando seu braço sobre meu ombro. - Você mora no que é meu, moleque da favela. Só tem a mim, sua mãe não te quer no barraco dela, seu pai é um bebum, sai de casa e vai lá dividir colchão com seus irmãos enquanto ele espanca ela no quarto.

- Por que me diz essas coisas?

- Mas eu não disse nada.

- É como se eu não conseguisse parar de ouvir as coisas que você me diz o tempo todo.

- Você é podre por dentro, eu te resgatei, eu te ajudei. - Ele respirou fundo. - Desculpa se digo coisas que te machucam, sabe, é para o seu bem, não quero que você sofra.

Seu abraço como que me sugava e eu me afogava em Rodolfo, eu não conseguia sair daquilo. Era como se ele segurasse meu espírito com ternura, ao mesmo tempo que me deixava solto, boiando, sem saber nadar. Meu corpo virava uma âncora e minha alma ia se esvaindo de mim, sem que eu pudesse me agarrar a ela, como se Deus a quisesse ao lado dele.

Ele conseguiu roubar a minha alma, mas eu o tirei a vida. As algemas apertavam os meus pulsos enquanto os tiras me jogavam dentro da viatura.

- Hoje a diversão rola solta na cela.

Alberto Novais
Enviado por Alberto Novais em 30/03/2021
Código do texto: T7219925
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