Minha nova Companhia

Hoje mesmo eu li que a ansiedade é uma série de reações do corpo a um medo iminente. Quando olho no espelho sinto que este medo é de mim mesmo. - Como conviver com isso? Meu coração bate acelerado, minha respiração fica ofegante e um suor gélido escorre pela minha testa. É uma sensação frenética de um desespero horrível, como se meu corpo quisesse saltar para fora e se enfiar em um buraco longe de tudo, longe de todas as coisas e longe de mim. Mas o que faço? Bom, eu choro até passar. - Que loucura!

Sinto que talvez essa impressão que eu me causo, tenha relação com a pressão social de ser um notável personagem nas redes sociais, coisa que eu jamais poderia ser. Eu não estou dentro dos padrões impostos, sem um sorriso lindo, olhos tranquilos e boa simetria facial, polidez, roupas caras, músculos proeminentes, virilidade e uma vida de viagens que muitos pedem a Deus. E se não neste mundo social em que outro eu poderia ser aceito?

No mundo real? Onde as pessoas não são perfeitas, onde elas têm um rosto assimétrico, onde seus olhos ora estão cheios de lágrimas, ora aflitos por suas questões particulares; neste mundo sem a renúncia das coisas gostosas de comer, mesmo sabendo que isso virará um estoque de gordura abdominal - Hoje quero um bolo de chocolate e pizza à noite. Esse mundo real também não parece aceitar as diferenças tão bem.

- Hoje acho que o nosso jantar vai ser especial. - eu disse com um sorriso de lado enquanto carregava os pratos para a mesa.

- Eu só quero comer logo, estou com fome depois dessa caminhada que fizemos.

- Espera, antes de começar a comer, eu vou tirar umas fotos, não é todo dia que assamos batata doce com azeite para acompanhar o belo frango desfiado de todas as quarta-feiras, só que dessa vez, virou prato de sábado à noite. Hum, saudade de uma pizza! - rimos.

Depois de comermos, deitamos na cama de cueca para assistir a qualquer bobagem no YouTube. O tempo era precioso, mas podia ser gasto com essas coisas pequenas. Era bom para refrescar os neurônios - não que deixasse de ser uma especulação do comportamento virtual das pessoas, todas tinham um padrão e quanto mais o personagem investia nesse padrão, mais visualizações ele tinha.

- Cansei de ver vídeos. - Eu disse. - Estou excitado.

- Percebi pelo volume na sua cueca.

- Você não? - apalpei enquanto jogava meu corpo por cima do dele.

- Ainda não.

Eu amava a praia. O barulho das ondas, a brisa sonora e meu triunfo era acordar com aquele som nos ouvidos. Abri a janela e o sol irradiou dentro do quarto. Sentí-me iluminado e abençoado por aquele sol. - Mesmo sabendo que só me restava poucas horas naquela estadia. Depois o sol que me despertaria era o urbano, da cidade grande, da correria, de acordar cedo, me jogar dentro do ônibus e correr para o trabalho, chegar às 8:15 e levar uma sinalização do meu chefe - Ah, a rotina.

Atrás de mim, na cama, André acordava também. Se sentou na ponta e se espreguiçou. Vislumbrei seu corpo de cueca, pernas grossas e peludas, que me chamavam bastante a atenção. A barriga não me incomodava e nem o cabelo despenteado e a barba por fazer. Para mim, sua beleza era excepcional. Quando ele penteava os cabelos, colocava uma camisa escura, que destacava seus lábios rosados e deixava sua pele menos pálida, eu adorava. Tinha orgulho em tê-lo como namorado.

- O que você acha de mim? - perguntei.

- Bom dia...

Ele levantou e foi para o banheiro.

- Sério, eu estava reparando em você, você é lindo, cara.

- Você também, Danilo. - disse sem me olhar, pegava a escova e a enchia com creme dental.

- Sabe, queria me sentir um pouco mais atraente para você.

- O que há de errado com você? - ele disse enquanto se encarava no espelho depois de escovar os dentes e lavar o rosto.

Passou as mãos nos cabelos e seu rosto corou um pouco.

- Quer saber o que eu acho? - ele disse por fim. - Que Caraguá já me cansou. Podemos ir agora para outras cidades, talvez guardar um pouquinho de dinheiro e ir para o Rio. Seria o máximo, né?

- Uma boa ideia, vou fazer café.

Toquei a xícara e pelo meu reflexo no escuro dentro do copo senti a mesa tremer um pouco. Meu coração palpitou e senti meu corpo todo acelerado. Era uma tensão que eu não conseguia reter em mim e somatizava no corpo. Sentia-me podre por dentro. Como se algum órgão, ou sei lá, tivesse com um defeito que eu não conseguia reparar. - Eu queria tanto me livrar dessa angústia.

- De novo, Danilo? - ele disse com um olhar preocupado. Eu não segurei o choro. - A relação com seus pais é tóxica demais, você traz até para nossas viagens. - ele comentou enquanto lançava seu olhar para a janela de frente para o mar. - Olha só esse mar, não era para você se angustiar tanto assim.

- Minha mãe não sabe o que diz e meu pai só pensa nele mesmo.

- E o que você tem a ver com isso?

- Eles me amavam quando eu era criança, eu era tão amado, tão querido pelos dois. E agora? - olhei-o fixamente.

- Agora estamos aqui, viemos para curtir.

- Chega de choro, vamos para a praia, depois pego o carro e subimos pra São Paulo.

Na volta, um sentimento horrível tomou conta de mim. Ainda a mesma dor, ainda eu mesmo ao meu lado. Uma parte de mim estava satisfeito por ter conseguido me dvertir da forma que queria, apesar de uma briga feia que tivemos exatamente no dia que chegamos. Mas André era calmo e sabia resolver as coisas com muito mais tranquilidade do que eu. Ele sabia a hora de dizer chega e havia um sentimento entre a gente, se não o nosso elo já tinha sido desfeito, tantas vezes que eu o afrouxei forçando-o a compreender minhas crises.

Alguns meses depois, ainda não tínhamos conseguido guardar dinheiro para ir ao Rio. Mas eu comecei a academia, ele foi promovido no trabalho, nos víamos com muita frequência, eu o levava em casa e meus pais, apesar do temperamento difícil um para com o outro, quanto a mim e ao André, eles tinham muita estima e consideração. Éramos um casal que eles não conseguiam mais ser. O tempo tinha acabado com isso. - Será que era só o tempo mesmo?

- No dia que vocês casarem, eu quero um bolo do Palmeirão. Verde e branco. - meu pai disse no jantar.

- Ué, seu Antônio, achei que para você os gays só colocavam unicórcios e pinto em todos os lugares. - André disse.

- Eu gosto de tirar sarro com vocês. Vocês me fizeram pensar outra coisa dos gays.

- Sendo assim, o salão vai ser na Pompeia e até os ternos serão verdes.

Quebramos os preconceitos, rompemos com uma família tradicional, e com a imagem de um casal tradicional. É isso que se faz em um relacionamento, você prova, com base em algo genuíno que as coisas não são o que parecem nos paradigmas. Conquistamos muitas coisas juntos. - É uma pena não termos continuado juntos.

Quando o calo aperta e a briga se torna muito acirrada, as coisas precisam de um freio. Eu tinha que me conhecer um pouco mais, eu precisava me libertar desta coisa que me consumia, que tirava a minha paz, que acelerava o meu coração e me fazia sentir que eu fosse perder o controle do meu corpo. O mundo ao meu redor ficava como se fosse uma plateia, onde eu era o protagonista de uma peça de teatro. Quero dizer que nunca me faltou ninguém ao lado quando eu tinha uma crise de ansiedade. - E era isso que fazia a manutenção das suas crises, Danilo? O que você realmente ganhava com isso? Era bom ou era ruim.

- É bom te encontrar de novo. - André disse.

- Também fiquei muito feliz em vê-lo.

- Principalmente em saber que você está tão bem.

- Fiz tudo certinho agora. Não faltei à nenhuma sessão de terapia.

- Estou precisando fazer a minha!

Por um momento ficamos em silêncio. Ele abriu a garrafa de água, tomou um gole e começamos a correr. - Uma caminhada de uma hora e meia é o suficiente! Quase no fim da tarde, sentamos na fachada de uma loja, ao lado do estacionamento. - Abaixei a máscara para beber mais uma garrafinha de água.

- E como está seu namorado? - Perguntei.

- Passamos cerca de 8 meses juntos, mas decidi terminar. Não estávamos muito bem. Seu Antônio e a Cecília estão bem?

- Sim, na verdade, estão do mesmo jeito. Levando.

- Então o único quem mudou foi você.

- Descobri uma coisa importante sobre mim... - ele ergueu as sobrancelhas. - Agora tenho o desejo de ter um filho. Ter uma casa na praia, ir passear aos finais de semana. Eu, meu filho e talvez um futuro marido, sei lá.

André consentiu com a cabeça, depois disso, não nos vimos mais. Aos poucos não nos respondíamos no whatsapp, depois, nem mais o contato um do outro guardamos. Agora nesse novo lockdown, essas lembranças vêm à tona, talvez para mostrar como a vida se transforma, cada um tem o seu padrão e a beleza está relacionada intimamente com sua visão de mundo. Ah, e minhas crises de ansiedade sumiram. Por que teve que ser assim, né?