Quaresma do Dega

Nem pensar em alegria. Tudo cheirava ao silêncio, ao respeito, ao lúgubre, lá na empretecida casa do Dega e da Quita. Dega amava seu violão, arrisco dizer que amava mais a seu pinho, que sua própria companheira ... era seu único refúgio , seu descanso , depois de um dia inteiro lavrando a terra vermelha, seca, esturricada, nas lavouras de café, arroz, feijão , milho, do norte do Paraná, sem uma gotica de vento pra balançar os ramos do coqueiral , uma nuvenzinha no céu pra lhe fazer sombra, um pingo sequer de chuva pra refrescar seu corpo pesado, exausto de luta. Às vezes o via longe, no carreador banhado pelos raios abrasadores do sol , torcer a camisa encharcada de suor. Mas , nos quarenta dias da quaresma, pedia, com o coração dilacerado, que Dona Quita cobrisse seu violão com um saco escuro, e o pendurasse atrás da porta do quarto, que era pra nem o diabo - que segundo rezava a lenda, na quaresma andava solto, em derredor - o vir e o tentar com seu olhar doce, sedutor. Esse era seu sacrifício, seu holocausto. Quarenta dias de abstinência de um de seus prazeres maiores: a música. Fé viva de um caipira de Deus.

Benvinda Palma

Bemtevi
Enviado por Bemtevi em 27/03/2021
Reeditado em 29/03/2021
Código do texto: T7216912
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