UM ABRAÇO
Temia esse encontro há duas semanas. Mas lá estava ela, no final do corredor, os olhos postados nele. Não que tivesse medo da sua reação ou do que deveria dizer. O protocolo para esses casos, se você não for um completo idiota, é simples: Meus pêsames; Nestas horas só Deus pode consolar nosso coração; Eu não consigo nem imaginar a dor que você está sentindo; e outras frases do gênero, sem emitir nenhum juízo de valor ou fazer qualquer pergunta tosca. Abraçar e deixar a pessoa falar e chorar. Desagradável, mas fácil. O desconforto era outro...
Dona Nair perdera o filho atropelado por um trem na madrugada. Por toda a empresa corria o boato que ele se matara. E o vício dele em drogas, que antes era um boato maldoso, se tornara fato público e notório. Até dois anos atrás o relacionamento com ela era apenas de cordiais "bom dia e boa tarde". Mas então, sua "casa caiu", obrigando-o a se internar por um bom tempo. O mau estar era geral quando voltou, as perguntas na ponta da língua de todos, flutuando como espíritos por suas bocas, materializando-se como elefantes em cada sala onde mais alguém estivesse com ele. Ela não, abriu logo o seu problema e começou a desabafar suas agruras e a lhe pedir conselhos. Ouvia-a com a melhor boa vontade, mas de coração seu desejo era gritar: Porra! Se eu soubesse não estaria na mesma situação!
Era angustiante! Tudo o que o sacana do filho dela fazia ele já havia feito pior com a esposa, os filhos e a mãe. Era uma culpa desgraçada! Várias vezes aconselhou-a a fazer exatamente o que tentava evitar que seus familiares fizessem com ele. Em outras não aguentava e metia-lhe um golpe, arrancando-lhe uns trocados para se drogar. Sentia-se um monstro, mas...
Os casos divergiam porque o filho dela estava em uma longa escalada descendente, um caminho que ele já percorrera.Antes de entrar na empresa se reerguera e caíra novamente. Era particularmente doloroso falar o que se sabe que funciona e, ao mesmo tempo, ser incapaz de refazer o que sabe que dá certo. Quantas e quantas vezes pensara nas imbecilidades que ele estava fazendo, no que ia acabar acontecendo, e de como ia parar no mesmo caminho. A coisa chegou a tal ponto que passou a conversar com "o filho dela" sobre seus trágicos prognósticos em muitas madrugadas.
Seis meses atrás ele teve uma epifania, passou a frequentar uma igreja e começou a mudar de hábitos. Por um acaso o filho dela também estava parecendo se emendar, como ela lhe contava com uma alegria cativante. No começo era interessante acompanhar na trajetória dele a sua própria. A descoberta dos prejuízos de todos os gêneros, o esforço para repara-los e se reparar, as pequenas conquistas. Até que começou a perceber nele e nela os mesmo erros seus e os da sua família. O vício limita cada dia mais o mundo do viciado. A sensação de poder quando vai se separando dele é enebriante, torna-se um vício em si mesmo. Sentir que agora, depois de tanto tempo, pode-se aproveitar a vida. Ledo engano, como aprendeu da pior maneira. Sem contar o outro lado, que tem um mundo de expectativas de gratidão por tanto sofrimento suportado. Aos quais descobriu ser impossível contentar. Passou a evitá-la o máximo possível, sabendo que ela não poderia evitar os erros do filho e nem os dela mesma.
Era isso que o apavorava ao encontrá-la. Sabia ser este o destino provável, por que só escapara dele por um milagre. E, acima de qualquer compaixão que pudesse ter pela Dona Nair, o que sentia naquele momento era gratidão por não ser a sua mãe que chorava. Ela foi até sua direção e os dois se abraçaram com força, por muito tempo. Perguntou-lhe o que poderia ter feito de diferente e ele respondeu do fundo do seu coração:
Não sei, minha querida. Eu te juro que não sei!