Meu Pai Era Assim
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Meu pai protagonizou fatos e momentos inesquecíveis, alguns de uma comicidade única. Lembro-me bem de um dos muitos que presenciei, como segue:
Era sócio do seu irmão em uma rede de cinemas na capital e no interior do estado de São Paulo nos anos 60. Naquela época, morávamos em Leme, depois em Campinas para que ele pudesse gerenciar as salas de projeção naquela região. Tinha eu entre cinco a seis anos. Depois, mudamos definitivamente para a Capital, de onde não saímos mais.
Explorava as bonbonnière´s nos cinemas de sua rede, nas quais se vendia chocolates, balas e outras guloseimas. Eu moleque, adorava quando íamos assistir às matineé's de domingo do Tom e Jerry . Empanturrava-me de Sonho de Valsa, Pão de Mel e, "drop´s Dulcora, que o paladar adora", frase inesquecível do comercial que passava na tevê em preto e branco. Uma delícia de programa de domingo, fora as risadas gostosas que eu dava das travessuras do Jerry, fazendo Tom de bobo. Até hoje me divirto com os desenhos desses dois.
Uma noite, foram ele e minha mãe assistir a um filme com um artista francês que ela achava lindo. Era o Alain Delon, de olhos azuis cristalinos, cabelos negros e rosto de adolescente. Saíram depois do jantar, de carro. Ficamos em casa minha irmã, eu e a Dona Angelina, que com o Gigio - apelido de Luiz em italiano - cuidavam da casa. Nós três fomos ver televisão e o Gigio ficou em seu quarto ouvindo radio e fumando - era fumante inveterado de Mistura Fina sem filtro, um estoura peito como se dizia na época.
Perto das onze horas, chegou meu pai em casa, subiu as escadas sozinho . Entrou em meu quarto, que era também o da televisão da casa olhando-nos com carinho perguntou:
-Oi, tudo bem com vocês?
-Sim pai - respondeu minha irmã.
-Cadê a mamãe? - perguntei-lhe.
-Ué, ela não está aqui?
Entreolhamo-nos atônitos, minha irmã de olhos arregalados como sempre ao ficar espantada, não acreditando no que acontecia. Respondi- lhe:
-Pai, ela foi com você ao cinema!
Instintivamente ele desembestou escada abaixo, entrou no carro e saiu da garagem com os pneus cantando. Ouvimos o som do motor acelerando, se diluindo na noite, em busca da minha mãe no cinema.
Ficamos acordados para saber o que havia acontecido. Meia hora depois eles chegaram.
-Você é uma cabeça mole também! É mole e tem a cabeça mole! Francamente me esquecer no cinema, é o fim da picada! - ralha ela furiosa subindo as escadas com passos pesados, passando direto por nós e indo para o seu quarto, batendo forte a porta. Mole, era o apelido do meu pai quando adolescente, pelo seu jeito moleirão de andar.
Meu pai subiu molemente as escadas, entrou em meu quarto, nos encarou e sorriu meigamente.
-O que aconteceu? -perguntou-lhe minha irmã.
-Pois é, que cabeça a minha? Estava assistindo ao filme com ela, mas aproveitei e saí para ver o movimento das vendas na bonbonnière e conversar com o gerente do cinema. Depois, fui instintivamente para o carro, não me lembrando dela - falou pausadamente com voz chateada. Minha mãe, aborrecida, ficou por alguns dias sem falar com ele.
Não era a primeira vez que se esquecia de algo ou alguém. Outra vez, foi de carro para o trabalho voltando sem e ainda perguntando para a minha mãe onde estava o veículo.
Meu pai era assim.
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