A Diferente
Ficava sozinha muito tempo. Aprendeu a gastar horas numa melopeia que poderia ser canto ou choro. A mesma roupa, os cabelos desgrenhados, as unhas pretas. Tida como selvagem comia numa malga velha, bebia onde calhava, nunca falou. Quando denunciaram os pais, deram-lhe banho, vestiram-lhe roupa nova e levaram-na à escola. Era indiferente a tudo, não brincava, não ouvia, nunca conseguiram que se interessasse pelas aulas, pelos colegas, pelos livros. Quando acabava o tempo escolar ficava com a mestra a aguardar que a viessem buscar. Por regra a professora pegava-lhe nas mãos e se ela chorasse abraçava-a. Era a única pessoa que acreditava na sua recuperação, que era capaz de saber o que sentia, que lhe falava com doçura. Em seu entender, a menina precisava de aulas especiais, de mais atenção, de carinho para perder o medo em que mergulhara e começar a falar. – Agora que estamos sozinhas, podes falar. Tenta, diz se gostas de mim, diz-me para eu nunca deixar de te cuidar. E as lágrimas correram pela face da criança, os olhos ganharam expressão, apertou a mão da mestra e arrastou as sílabas da palavra: gos to. Quando o pai bateu à porta e entrou na sala, Rita voltou-se e acenou um adeus para a sua amiga. A seguir vieram as férias e a professora, que tantos progressos já conseguira, percebeu que era a grande oportunidade para ajudar a aluna e obteve consentimento para ficar com ela aqueles meses. – Por mim até lha dava, disse a mãe. E Rita mudou de casa, de roupas, de cuidados. E começou a falar, a interessar-se por aprender, a ganhar o tempo perdido. Aprendeu a sorrir, a conviver com os animais domésticos e já soletrava quando voltou à escola. Com consentimento da família ficou a viver com a professora, crescera, era agora uma criança como outra qualquer.