O piripaque de Joan Sébastien
O piripaque de Joan Sébastien
Alexandre Santos *
Após um longo período de estress, Joan Sébastian estava animado.
Finalmente, depois do jejum de quase três meses provocado pela quarentena determinada pelas autoridades sanitárias, os negócios tinham sido liberados. Naquele grande dia, logo cedo, fazendo valer o bom relacionamento cultivado com a rede hoteleira ao longo de anos, em parceria que beirava a promiscuidade, ele havia espalhado cartões da boite por todo canto. Em reciprocidade às piscadelas e pequenos mimos, não foram poucas as promessas de que só os panfletos da Pinner's Nigth Club seriam distribuídos aos turistas e motoristas de táxis e ubers.
Joan Sébastien estava animado.
Estava tudo acertado e, finalmente, ele voltaria a fazer os bons negócios de sempre.
Naquela noite, ainda no início do expediente, comprovando a eficácia da publicidade deixada nos hotéis e pousadas, as consultas começaram. Infelizmente, para tristeza de Joan Sébastién, a maioria dos telefonemas não dizia respeito ao ramo da Pinner's. Fazer o quê? Este era o preço a pagar por ter a exclusividade da propaganda. Era como se a Pinner's Nigth Club fosse o único estabelecimento da vila.
Entre as dezenas de vozes que o acionavam pelo telefone, uma se destacou, não só pela frequência das ligações, mas, também, pela desconexão com os negócios da boate.
- Vocês servem pratos a la carte? - aquele era o décimo telefonema da voz irritante.
Com a paciência que o fizera ser reconhecido como o mais cortês dos gerentes das centenas de estabelecimentos da agradável vila do Pipa, no litoral norte da costa ensolarada do Rio Grande do Norte, Joan Sébastien respondeu que o Pinner's Nigth Club era uma boite e, sem dispor de cozinha, servia apenas bebidas e petiscos frios.
- Que pena - se despediu a voz, dando a entender que não voltaria a incomodá-lo.
Qual nada. A trégua foi curta.
- Vocês abrem a que horas? - a pergunta veio ato contínuo ao 'Pronto' que Joan Sésbastien dizia ao atender o telefone.
- Estamos abertos das 21h até a saída do último cliente, todos os dias da semana - respondeu à voz irritante.
- Vocês fazem reserva de mesa? - quis saber a voz sem rosto.
E, com a paciência de sempre, Joan Sébastien explicou que, tendo poucas mesas, o Pinner's Nigth Club não reservava mesas e recomendou ao cliente chegar cedo.
- A casa dispõe de manobrista?
- Não. Infelizmente não, senhor, mas há um estacionamento público nas proximidades.
- Vocês vendem pão?
- Não. Infelizmente não, senhor, mas há uma padaria nas proximidades.
A enxurrada de ligações estapafúrdias estava intragável. Ouvindo o tilintar do telefone, Joan Sébastien arrependeu-se de ter pedido exclusividade para os cartões e panfletos que deixara nas recepções dos hotéis.
- Vocês têm pizza de quais sabores? - a voz irritante disparou ao atender.
- Não trabalhamos com pizzas, senhor - o gerente controlou a raiva que crescia em seu interior.
- E Parrilla? - quis saber a voz.
- Não trabalhamos com alimentação, senhor. O nosso ramo é outro - Joan Sébastien desligou o telefone abruptamente, perdendo a paciência com a voz sem rosto que enchia seu saco com perguntas feitas propositadamente para irritá-lo (pelo menos era o que ele pensava).
- Vocês aceitam reservas pelo CobrasTur?
- Não, senhor. Não trabalhamos com o CobrasTur.
- Vocês trabalham com sistema de delivery?
- Não, senhor. Não trabalhamos com sistema de delivery - a paciência de Joan Sébastian estava por um fio.
Experiente, o gerente resolveu dar-se um repouso e decidiu ficar longe do telefone por uns instantes. 'Os clientes que esperem um pouco', pensou ele, enquanto, atrás do balcão, ouvia o chamado insistente. A distância não ajudou, pois, a cada toque não respondido, Joan Sébasten imaginava a possibilidade de perder um cliente precioso. Decidiu, então, voltar a atender às ligações.
- Pronto - ele atendeu ao segundo toque.
- Vocês abrem para o café?
- NÃO, nós não servimos desjejum.
- Desculpe. Você poderia indicar algum lugar para o nosso grupo tomar café.
- Tente a padaria da esquina - Joan Sébastian estava perdendo a paciência.
Dois minutos mais tarde o telefone voltou a chamar...
- O quê está incluído no preço do abadá? - perguntou a voz.
- Vá se lascar, seu filho da puta - ele explodiu, assustando os poucos clientes espalhados pelo salão.
- Que grosseria! Isto lá são modos de se tratar os clientes - Joan Sèbastien ainda ouviu parte do protesto do interlocutor anônimo.
Em instantes, o telefone voltou a tocar o tormento recomeçou.
- Vocês têm transfer para o passeio de barcas?
- NÃO.
- Há alguma recomendação de barraca para comermos caranguejos?
- NÃO.
- No passeio de barco, há música ambiente?
- NÃO, SEU FILHO DA PUTA - gritou Joan.
Sem condições emocionais de permanecer nem mais um segundo ao lado daquele telefone maldito, mesmo sabendo da importância da presença do proprietário no estabelecimento, Joan Sébastian decidiu tirar folga pelo restante do dia.
Não foi uma noite fácil.
Na noite mal dormida, virando de cá para lá na larga cama, Joan Sébastien teve pesadelos. Sonhara que, ainda sem cozinha, o Pinner's Nigth Club ampliara o cardápio e, sozinho no atendimento às mesas, tinha a função era dizer 'NÃO' aos clientes (os quais, estranhamente, eram praticamente iguais e tinham a mesma voz do turista misterioso que lhe fizera perder as estribeiras). Naquela noite infernal, até tomar o sonífero que o nocauteara em sono profundo, sem saber se dormia ou sofria, Joan Sébastien se vira cercado por clientes insatisfeitos que gritavam por lasanhas, sashimis, mozellas, peixadas, yakissobas, churrascos, chucrutes, sopas, guacamoles, esfirras, strogonoffs, kebabs, molles, cachupas, einsbeins, moquecas, feijoadas, kassleres, solyankas e toda a sorte de pratos inexistentes na boite.
No dia seguinte, logo cedo, marcado por olheiras herdadas da madrugada mal dormida, Joan Sébastien foi ao Pinner's. Precisava saber como fora o movimento da noite anterior.
Mal botou os pés na casa, o telefone tocou.
Quem poderia ser? Ainda não eram dez horas da manhã.
- Pronto - disse ele.
- A que horas sai o próximo passeio de barco? - a voz irritante fez a primeira pergunta do dia.
O turista não viu quando, do outro lado da linha, em meio a tremores e esgares de raiva, Joan Sébastien arrancou o telefone da tomada e o jogou contra a parede, antes de cair desacordado.
(*) Alexandre Santos é ex presidente da UBE e coordenador nacional da Câmara Brasileira de Desenvolvimento Cultural