A Boneca de Trapos
Era uma criança como qualquer outra. Vivia a frugalidade de uma vida economicamente apertada e, aos seis anos que faria naquele dia, esperava um presente. Disse-lhe a mãe que, nesse ano, fariam juntas o presente e que, nele, haveria um outro para receber mais tarde, logo que deixasse de achar graça ao que ambas fariam. Quando a menina se animou, trouxeram os trapos para a mesa e a mãe perguntou o que pretendia como dádiva de aniversário. – Uma boneca, disse sem hesitar. Pois seja, uma boneca. E a mãe, cortou no pedaço maior do pano branco, cabeça, tronco, braços e pernas da futura boneca. Ia explicando à Bia como se fazia, cosia e enchia de desperdício as partes. Quando só faltava a cabeça discutiram tudo, da cor dos olhos e cabelos ao resto dos acessórios. Assim nasceu a Sofia de longas tranças de lã, olhos verdes e boca rosada. Depois vestiram-na a preceito com vestido de flores, cinto de laço vermelho, sapatinho a condizer. E a menina estava feliz, aplaudia cada etapa da construção e perguntava-se que outro segredo escondia a boneca que já tinha nos braços. Isso, minha filha, escrevi em recado que meti no peito de Sofia. No dia em que a achares inútil, feia, desnecessária, descoses este lado, tiras de lá o recado e lês. Passaram dez anos e há muito tempo que a boneca estava guardada. Perdera viço, os olhos desbotaram, as tranças mantinham-se mas o laço vermelho não estava. E a agora adolescente sorriu, achou que a boneca de lindo só tinha o nome, pegou na tesoura e abriu-a como lhe recomendara a mãe. Com jeito e paciência retirou o recado em letra desenhada e leu: - És agora uma mulher e outras coisas viverás: amores, marido, casa tua e filhos se quiseres. Se achares que ainda não pensas nisso é porque abriste cedo a boneca. Recoloca o recado na Sofia e espera.