SAUDADES DO JAPÃO

Sentado sobre o tatame, na varanda de sua cabana toda feita de bambu, Shikao assistiu a deusa Amaterasu-ômikani despedir-se de mais um dia ao se ocultar por trás dos montes. Ioko trouxe a lanterna já acesa, pendurou no gancho da viga sobre os degraus da entrada e, repetindo o gesto milenar, preparou o chá cerimonial para saudar a lua cheia que despontava no horizonte.

Apesar dos muitos anos desde que vieram para o Brasil, as tradições trazidas do Japão e a saudade dos ancestrais jamais se apagaram da memória do casal que viu nascerem os filhos e os netos próprios e de toda a colônia de agricultores bem-sucedidos.

Os deuses haviam sido favoráveis em todos os anos. Amateras-ômikani brilhou todos os dias sobre as plantações. O terreno encharcado favoreceu o desenvolvimento das raízes de lótus e a fartura nunca esteve ausente de suas mesas.

Em intervalos, grossas nuvens toldavam o clarão da lua e num desses momentos algo estranho surgiu por trás do ishitoro. Dois vultos difusos semiocultos pelas finas hastes do bambu ladeando o caminho sinuoso, forrado de pedras, entre a ponte sobre o tanque das carpas e os degraus da varanda.

Havia algo de familiar naqueles vultos. Talvez fossem os filhos do casal que, apesar dos afazeres diários, em alguns momentos vinham participar do chá com os pais, numa demonstração de que as raízes ancestrais permaneciam vivas, apesar da distância e dos estilos de vida diametralmente opostos. Mas, e as crianças? Elas que tanto gostavam da casa dos avós, por que não tinham corrido para eles?

Ioko desceu os degraus para recepciona-los, mas não havia ninguém e ela voltou para concluir a cerimônia do chá.

No silencio da varanda quebrado apenas pelo ruído da cascata do jardim, e com aquele mesmo sentimento de paz e harmonia que o casal sentia quando, ainda no Japão, participava do chanoyu na casa dos avós, num gesto de agradecimento por suas presenças Keyko serviu matcha para Di Zensho e Ba Keyko em copos de cerâmica finamente ornamentados enquanto Shikao acendia mais duas varetas de incenso diante da imagem de Budha para honrar os seus ancestrais.

Amaterasu-ômikani – deusa do sol – Xintoísmo

Ba= avozinha

Di = avozinho

Chanoyu = cerimônia do chá

Ishitoro = lanterna de pedra de jardim

Matcha = chá verde