AMIGOS...
AMIGOS... 11/03/2021
Eram dois amigos inseparáveis. Cresceram juntos, dividiram brincadeiras, notas altas e baixas da escola do bairro, consolavam-se a cada castigo aplicado pela mãe de um ou de outro por alguma travessura maior. Partilharam segredos, as primeiras desilusões amorosas, a conferência das listas do Vestibular, festejaram juntos o ingresso na Faculdade. E foi aí que se iniciou a separação daqueles quase que “irmãos siameses de alma”. Por haverem feito Faculdades diferentes mesmo que na mesma Universidade, raramente se encontravam, mas falavam-se quase que diariamente pelo celular. Porém ao serem admitidos na mesma Empresa, mas em sessões diferentes e horários desiguais, não conseguiam almoçar juntos. Além disso, cursos de especialização, viagens para o exterior, e o distanciamento entre os dois amigos se acentuava. Colegas de sessão iam se tomando novos amigos, que lhes ocupavam os fins de semana com programas diferentes. Um dia Paulo se deu conta de que já não participava mais daquela amizade tão bonita cultivada durante tantos anos, a nem tanto tempo assim, e que agora parecia nunca haver existido. Resolveu ir de surpresa ao apartamento para o qual Carlos havia se mudado desde que deixara a casa de seus pais. Ao chegar, a recepção de Carlos não foi tão efusiva quanto Paulo esperava. Não tinham mais quase nada em comum. Não sabia da vida do amigo para uma conversa mais íntima. Na parede uma flâmula contava que até o time de futebol para o qual ambos torciam, já não era mais o mesmo. Não tinham assunto. Carlos olhava repetidamente para o relógio como se a presença de Paulo estivesse atrapalhando algo. Despediu-se e saiu.
Estava difícil para Paulo, sempre o mais afetivo dos dois, entender o que mudara tanto, a ponto de afastar Carlos de tal maneira. Era mesmo uma incógnita. O que teria acontecido? Apesar de trabalharem na mesma companhia, os setores eram completamente diferentes, sem a menor possibilidade de haver uma concorrência, uma inveja ou algum outro sentimento menos nobre. Paulo era uma pessoa do bem, tinha boa índole. Não entendia o acontecido, não achava explicação para a frieza de Carlos. Precisava ressignificar a palavra amizade. Mas... como? Por onde começar? Paulo sempre fora um atleta na faculdade, sendo voleibol sua paixão. A companhia para a qual trabalhavam fazia um belo trabalho social promovendo festas de confraternização, competições esportivas, happy-hours e concursos para inteiração e socialização dos funcionários. Acreditava que criando um clima harmônico de trabalho, todos sentiriam maior prazer em trabalhar e consequentemente, produziriam mais e melhor. Paulo precisava aprender a lidar com esse desapontamento para não se sentir deprimido. Carlos, era praticamente um irmão... Daí surgiu a feliz ideia: decidiu aliviar suas tensões através do que adorava fazer: jogar vôlei, esporte pelo qual sempre foi aficionado e brilhante. A multinacional para a qual trabalhavam patrocinava um time de voleibol e ficou feliz em saber que contava agora com um expoente da liga universitária, um excelente levantador. Com Paulo, o time estaria melhor capacitado para disputar o próximo campeonato. Bastaram alguns torneios para que ele arrebatasse a atenção e a admiração da torcida e sabe o que mais? Quantas coisas cabem em um olhar! Isabel, a linda jovem, filha do treinador, lançava-lhe olhares que diziam mais do que mil palavras!
Por ser filha de ex-jogador e atualmente treinador de vôlei, Isabel Cristina, sempre gostou de esportes com bolas. Durante os treinos, na companhia do pai, ela participava dos jogos cobrindo eventuais espaços vazios e, num desses momentos ela se deu conta da atração que sentia por Paulo, talvez da mesma idade do seu atual namorado. Carlos possuía todos os dotes que uma moça poderia esperar de um bom rapaz, mas faltava-lhe o atrativo impactante da “chegada”. Paulo era diferente, marcava sua presença desde o primeiro momento. Era o ponto de atração de todos os olhares femininos, um troféu digno de ser conquistado a qualquer custo. Aquela presença marcante era só o que faltava para Isabel Cristina entender que o seu namoro chegara ao fim e foi com o mesmo élan de atacante que ela desfez o compromisso com Carlos e, na primeira oportunidade, demonstrou a Paulo o seu interesse por ele. Carlos abatido pelo fim do namoro, pensou que se falasse pessoalmente com Isabel, poderia melhor argumentar para conseguir reverter o rompimento. Claro que o melhor local para isso era a quadra, pois no meio de tantas pessoas, ela jamais faria escândalo ou poderia lhe acusar de algo e foi ali que ele viu o motivo do fracasso do seu namoro. Isabel Cristina não perdia a oportunidade de demonstrar carinho por Paulo em cada jogada que ele fazia, por mais vulgar e sem brilho que fosse. E quando soou o apito final do treino, Isabel e Paulo beijaram-se e saíram da quadra, abraçados, em direção aos vestiários. Com a certeza de que fora traído por seu melhor amigo, Carlos não podia demonstrar nenhuma satisfação ao vê-lo em sua casa, também, por conta da antiga amizade, jamais diria qualquer palavra sobre o assunto.
Na realidade, a situação se desenvolveu dentro da mais completa lisura. Tanto Paulo como Isabel não esconderam nada sobre o novo relacionamento. Nesse ponto, Carlos nada podia reclamar. Deixou o ginásio sem falar com Isabel. Um aspecto que tivera grande efeito quando do afastamento dos dois grandes amigos, pode ter sido que tanto na vida social, como no ambiente universitário e, depois, também no meio profissional de ambos, essa aproximação tão forte, poderia causar certa estranheza, muito disque-disque, eis que, naqueles tempos não era muito comum o relacionamento entre membros do mesmo sexo. E, principalmente, para o atleta Paulo, não conviria escutar esse tipo de comentário. Enfim, houve o rompimento da amizade e acabou. Carlos, em vista de todo o acontecido, conseguiu uma transferência para a sede da empresa multinacional em que ele trabalhava, na Alemanha, mais precisamente em Munique, no ramo de cervejaria. Mais tarde, Paulo ficou sabendo que lá, Carlos acabou se casando com uma alemãzinha, se radicando definitivamente no país, somente vindo ao Brasil, em visita a seus familiares. Ah, em certo dia, Paulo recebeu uma carta, vinda da Alemanha, contendo uma medalha de ouro que ele havia conquistado, em um torneio internacional de vôlei, como o melhor jogador, em Roma, entre equipes universitárias. Era o seu troféu mais querido. Ele acusou o desaparecimento, já havia se consolado com a perda do mesmo, e foi uma surpresa muito grande reaver a medalha, sem saber que estava nas mãos do ex-amigo. Carlos, num momento crucial do desentendimento entre eles, sorrateiramente, havia se apoderado do prêmio, na casa de Paulo, numa espécie de vingança. Quando contou o caso para Isabel, Paulo ficou sabendo por parte dela, que Carlos tinha certas tendências cleptomaníacas.
Paulo não se conformava. Não compreendia as atitudes do amigo depois da vida que tiveram desde crianças. Sofrera muito com o afastamento do amigo depois que a namorada de Carlos o havia trocado por ele.. A volúvel Isabel Cristina já o abandonara também desde que conheceu o massagista musculoso que veio trabalhar no time de futebol da universidade. Acabou se casando com o belo e atlético fisioterapeuta e foram morar no Rio de Janeiro, onde ele havia sido contratado pelo Vasco da Gama. Soube que Carlos tinha ido para a Alemanha, e lá se casado. Como? E nem um telefonema de despedida, nem uma mensagem... Será que tudo o que passaram juntos havia se esvaído assim, como uma chuva de Verão? Mas em meio a todas as lembranças e pensamentos que perturbavam Paulo, a devolução daquela medalha foi um sinal de que a amizade que os ligava desde a infância ainda estava presente. O endereço do envelope deu a pista que faltava para que Paulo fosse agradecer pessoalmente pela devolução do "furto", e viajou para Munique. Ao chegar ao elegante condomínio onde Carlos morava, com as casas de paredes brancas, janelas e portas verdes e muitas flores nas janelas, o encontro dos dois deixou por terra todo resquício de alguma desavença. Abraçaram-se com lágrimas nos olhos e assim ficaram o tempo suficiente para que toda mágoa se esvaísse. Carlos lhe disse que Frida, sua esposa, havia pedido o divórcio poucos meses depois de casados, e foi viver com uma amiga em Frankfurt. Na semana seguinte da sua chegada, Paulo e Carlos viajaram para a Holanda, onde num velho moinho, oficializaram o casamento para o resto da vida.