Desventuras de Um Técnico - Temporada 2018 - Parte I - Atitudes de Campeão
Estreias sempre me dão frio na barriga e certamente esta seria a mais difícil delas.
Devido a goleada sofrida pelo Milionários, a torcida ficou bastante chateada e temia uma campanha como aquela de 2016 onde lutamos contra o rebaixamento o tempo inteiro.
De minha parte, temia que os rapazes se abalassem com isso, mas felizmente meus receios eram infundados.
Horas antes do jogo contra o Aimoré, vi algo engraçado em um dos quartos da concentração.
Patrick estava treinando gestos no espelho com o punho cerrado em cruz quando o peguei em flagrante.
- Patrick, o que é isso?
- É que assisti ontem o filme do Pantera Negra e prometi comemorar com esse gesto se marcasse um gol hoje, professor.
- Vamos ver. Agora vamos que o ônibus está nos esperando.
Mas nem mesmo eu imaginaria que a partir daquela conversa, nasceria um apelido que acompanharia Patrick por toda sua carreira.
O Pantera Negra.
* * *
A estreia contra o Aimoré foi bem tranquila mesmo com um pouco de pressão da torcida devido a aparente apatia de alguns jogadores e da feroz retranca do Índio Capilé pra conseguir um empate.
E Patrick cumpriu sua promessa marcando um belo gol e fazendo o mesmo gesto dos braços em cruz e punhos cerrados para a câmera.
Acredito que as comemorações precisam mesmo ser criativas, afinal, é o grande momento pra qualquer jogador e precisa ser extravasada dessa forma, a não ser quando faz algo que provoque a torcida ou saudação política tipo Paolo Di Canio, aí vira problema.
Mas a minha maior satisfação foi ver o quão polivalente Darío Rearte era.
Improvisei-o na zaga durante a partida para colocar Giovani na lateral e o colombiano não só cumpriu sua parte na marcação como ainda foi a frente e marcou um belo gol de cabeça num escanteio cobrado pelo mesmo Giovani.
Rodrigo Arroz e Charles marcaram os outros gols da partida e vi que as coisas seriam bem diferentes.
Percebi que o grupo estava mais unido do que nunca com todos desdobrando-se uns pelos outros e os jogos seguintes só confirmaram essa afirmação.
Contra o Cruzeiro de Porto Alegre, mais uma vez Patrick fez a diferença com dois gols em chutes de fora da área e dando um passe açucarado para Rodolfo Peres fazer o terceiro.
E contra o Brasil, o jogo foi mais complicado.
Começamos a todo o vapor com Reinaldo marcando logo aos 5 minutos de jogo e depois Lucas Dantas ampliou com o bico da chuteira.
Uma das coisas que me deixa maluco é o time relaxar demais com a vantagem e logo pagamos o preço.
Felipe Garcia diminuiu e tivemos que suportar uma pressão infernal até o intervalo.
Por sorte, Lucas Dantas havia marcado de novo logo no início e nos aliviou um pouco da pressão.
Se o ataque funcionava, a defesa falhava como nunca. Luiz Henrique diminuiu de cabeça e no lance seguinte, Lucas Santos acertou a trave.
Naquela hora, mordisquei a garrafa d´agua de tão nervoso que estava e decidi colocar Rennan para reforçar a marcação no meio.
Felizmente, Márcio Luiz marcou contra no lance seguinte dando o alívio definitivo a um jogo que quase nos complicou.
Três jogos, três vitórias e uma bela gordura conseguida no início do campeonato.
Mas a defesa me preocupava com a deficiência nas bolas aéreas e pedi que intensificassem os treinos táticos para corrigir esse defeito.
Porque o jogo seguinte seria o Ca-Ju.
E para mim, seria muito especial por reencontrar um velho amigo.
* * *
Nunca imaginei que o revesse depois da rápida passagem que tive pelo Oeste e renovamos aquela aposta do jantar antes de irmos cada um á sua casamata.
Como era de se esperar, o clássico foi trepidante e notei duas coisas: nosso sistema defensivo não assimilou o que pedi e outra que certos jogadores jogam como leões em clássicos fazendo gols decisivos.
Era o caso de Vacaria.
Mais uma vez fez jus a sua fama marcando o gol da vitória em uma falta boba de Rearte, que tomou amarelo na jogada.
No lance que se seguiu, a bola foi lançada na área e Vacaria cabeceou no chão com a bola passando por baixo do corpo de Taguchi.
O frango por si só já é ruim, em clássico é ainda pior.
Pensei até mesmo em colocar Pietro no intervalo, mas vi que tinha se recuperado muito bem do abalo e ele voltou pro segundo tempo.
Já Patrick estava desgastado demais e com uma marcação forte, ele não conseguiu jogar e perdemos muita força ofensiva.
Até o time criou boas oportunidades, mas não era nosso dia e acabei mesmo tendo que pagar o jantar pra Sérgio Soares.
Fiquei sabendo pelos jornais que o Grêmio havia contratado Renato Gaúcho para ser o novo técnico e ali fiquei preocupado.
O próximo jogo é justamente contra o Grêmio que já seria complicado pelo fato de querer vingança pela eliminação sofrida na temporada passada, mas agora com um novo técnico, os jogadores mostrariam ainda mais serviço dificultando nossas pretensões.
Mas a boa notícia é que Sugimoto estava liberado pelo departamento médico e nem pensei duas vezes em colocá-lo como opção ofensiva no banco, podendo jogar tanto de meia quanto de atacante.
La na Arena, entretanto, teria que jogar um pouco mais fechado e apostar em alguns contra-ataques, lembrando-me ainda da dura lição que tivemos contra o Milionários.
Ainda assim, foi um desastre completo.
Tomamos um gol logo de início em outra bola aérea e conseguimos o empate em um pênalti onde Luan meteu a mão na bola e Patrick bateu e converteu.
A estratégia estava funcionando a contento até a arbitragem nos prejudicar duplamente.
Primeiro, por um gol mal anulado de Reinaldo e depois validou o de Bocão em flagrante impedimento.
Aquilo foi demais. Ás vezes, meu pai diz que precisaria manter a calma em casos como esse, mas ali foi uma autêntica roubalheira contra meu time.
Reclamei tanto que acabei expulso pelo juiz e André Luiz assumiu meu lugar no resto do jogo.
Nem vi o gol de Luís Felipe no fim de tão irritado que estive no vestiário. Minha raiva não era pelo resultado em si, mas por duas coisas: pelo “assalto a mão apitada” que o time sofreu e pela atitude debochada do Renato quando me dirigi pro vestiário, falando bobagens de mim.
Ali fiz uma resolução.
De que faria esse cara baixar a crista nem que me mande pro vestiário de novo.
* * *
O campeonato prosseguia e logo reencontramos o caminho das vitórias. O jogo contra o Veranópolis foi bem tranquilo com dois gols marcados no início de cada tempo por Charles e Reinaldo.
Mas foi contra o Avenida que tive sensações totalmente diferentes. A da satisfação ao ver a evolução dos novatos e a afirmação de que o time não perde o ritmo mesmo com a troca de jogadores.
Prova disso que nesse jogo, os coadjuvantes resolveram com Jean, Sugimoto e até Werley Vaz marcando seu segundo gol na carreira.
E a da revolta quando vi Rearte sair chorando de maca no fim do jogo vítima de uma entrada criminosa de Wellington.
Temi o pior quando o médico diagnosticou suspeita de fratura na tíbia, mas felizmente a ressonância magnética acusou uma pancada na canela.
- Olha, Mário, tivemos muita sorte aqui. Se a entrada fosse um pouco mais acima, teria até mesmo quebrado a perna. Em uma semana, ele ficará bom para treinos.
- Obrigado, doutor. Não sabe o quanto me tranquiliza em ouvir isso.
São nessas horas que devemos sempre ressaltar o papel do departamento médico no clube.
Com relatos precisos e um bom trabalho que fazem na recuperação de atletas, acho que o médico deveria ser mais valorizado pelos clubes em forma de aparelhos a disposição.
Ouvi falar que em alguns clubes existe até mesmo uma nutricionista que ajuda na alimentação deles.
Acredito que isso tudo aliado a uma boa preparação física, faz a diferença entre um time na ponta dos cascos e outro parecendo cavalo cansado.
Outra coisa que ajuda é a rotatividade constante que faço no time procurando evitar lesões ao máximo sem prejudicar o entrosamento.
E também peço aos rapazes depois de cada treino de se cuidarem bastante. Nada contra uma saída noturna de vez em quando, mas precisam entender de que o corpo é seu material de trabalho e por qualquer descuido, a carreira se torna bem mais curta.
Eu que o diga com minha grave lesão no joelho. Não que fosse um jogador promissor, mas obedecia taticamente às ordens dos treinadores e como era um cara que não fugia da porrada, paguei o preço por essa valentia.
Ao menos, Giovani deu conta do recado no jogo contra o Novo Hamburgo e graças a dois cruzamentos seus, Charles e Reinaldo marcaram os gols da vitória com Thiago Humberto descontando.
Todo time tem seus altos e baixos quando um campeonato é disputado em pontos corridos ainda mais quando é uma fase de classificação.
A tabela foi meio que ingrata conosco porque agora teríamos que enfrentar aqueles times que sempre te dificultam mesmo estando em uma grande fase.
Os famosos times chatos como Ypiranga e União Frederiquense.
* * *
Antes disso, veio um tropeço inesperado contra o Esportivo. Fiz tudo que podia para reverter o resultado, mas era o dia do não e o 2 x 0 foi até barato pela má atuação do time.
Depois, pra desespero do seu Flávio, foi contra o São José e ali os rapazes fizeram justamente o oposto.
Uma goleada convincente e uma atuação estupenda de Patrick foi o suficiente pra acalmar a torcida que começava a se impacientar com o futebol do time.
Fez dois belos gols de falta, cruzou na cabeça de Charles no primeiro gol do jogo e fez um lançamento milimétrico para Sugimoto fazer o quarto gol.
Até pensei em cobrar aquela aposta do bigodinho perdido, mas não queria que a Lúcia ficasse furiosa comigo por tripudiar do pai dela.
Afinal, pai é pai e isso sei muito bem.
Também teríamos dois confrontos contra eles na Série C e ali teria a chance de uma nova aposta.
Depois conseguimos outra boa vitória diante do Passo Fundo onde nosso ataque funcionou a contento com Charles e Reinaldo marcando um gol cada e o centroavante forçando Santucho a fazer gol contra.
Nem o gol de Branquinho mudaria alguma coisa e a classificação para as quartas-de-final estava praticamente assegurada.
E então, a chatice.
O Ypiranga mostrou mais uma vez ser uma pedra nas chuteiras e venceu de novo com dois gols nos primeiros 15 minutos.
Aquilo nos desnorteou por completo e o Canarinho teve a chance de matar o jogo com uma bola na trave de Saldanha.
Ali o time ligou o modo de ataque e chegamos a empatar o jogo com um belo chute de fora da área de Rafael Carioca e uma falta bem cobrada por Patrick.
O jogo estava muito equilibrado e numa desatenção da zaga, tomamos o terceiro gol feito por Saldanha.
Nesse jogo contra um futuro adversário da Série C, teria uma noção do quanto esse campeonato seria difícil.
A chatice continuou ainda nos dois jogos seguintes contra Inter e União Frederiquense, no entanto tirei boas lições para um provável futuro encontro nas fases decisivas.
Apesar dos 3 x 0 que levamos em casa do Colorado, notei que o novo técnico Odair Hellmann joga com três atacantes e dois meias que municiam as jogadas, mas sobrecarregam demais a defesa com um único volante protegendo o sistema defensivo.
Ali vi que o esquema de três zagueiros não funcionou e muitas vezes os atacantes ficavam no mano a mano com os defensores levando sempre vantagem.
Já contra o União Frederiquense, tivemos muita sorte em arrancar o empate. Ainda que Charles tenha feito o gol logo de início, o time sofreu um verdadeiro bombardeio do ataque do União que perdeu várias chances, inclusive um pênalti que Ricardinho isolou.
Mas logo em seguida veio o gol do carrasco Juan Noguera em outra bola aérea e isso tinha que ser corrigido a qualquer custo se quisermos vencê-los.
Durante o jogo, notei que Rogério Zimmermann tirou seus dois atacantes para retrancar-se na tentativa de uma ou outra estocada.
Tudo que precisava fazer era pedir que os rapazes seguissem atacando como uma forma de pressionar o bom sistema defensivo deles.
No fim, notei em boa parte dos jogadores um certo desgaste físico pela maratona de partidas e depois de reunir-me com eles após o treino, decidi poupá-los para o que valia e dei chance a todos os reservas mostrarem serviço contra o Lajeadense.
Como não mudava muita coisa na tabela de classificação, resolvi escalar todos os meninos da base para que mostrassem tudo que sabiam.
E eles não me decepcionaram.
Arrancaram um belo empate contra um time que precisava da vitória para ainda sonhar com a classificação.
Apostei em correria e contra-ataques rápidos puxados por Douglas aproveitando o desespero deles.
E num deles, Hernandez fez seu primeiro gol como profissional e na comemoração, chorou muito abraçado em mim como um agradecimento pela confiança dada.
Até entendo essa emoção toda. Não era muito de marcar gols na minha época de jogador e fiz no máximo uns três ou quatro na carreira.
Espero que seja o primeiro de muitos pra ele.
Alan Patrício marcou o outro gol do time e vejo também bastante futuro pra ele, só precisa melhorar um pouco mais seu cabeceio.
Assim que o jogo acabou e já sabendo que terminamos em terceiro a fase de classificação, fui a coletiva de imprensa muito satisfeito com a atuação dos meninos e naquele dia eu estava inspirado.
Uma repórter me perguntou sobre como conseguir manter um plantel tão inchado e mesmo com a troca de jogadores, manter o bom nível de jogo e respondi assim:
- Olha, vocês viram hoje o quanto os meninos estavam determinados. Viram o brilho do Alan, do Douglas, do Hernandez, do Nininho, do Felipe Dantas que chegou agora e de todos os outros. E posso dizer com todas as letras que não tenho só um time. Tenho um plantel. Não tenho só 11 titulares. Tenho 30. E esses 30 são capazes de tudo.
- Mário Oliveira, o adversário agora é o União Frederiquense. O que pretende fazer pra vencer? – perguntou outro repórter.
- Bem, o que posso dizer de antemão é que os principais estarão de volta. Será bem mais difícil, eu sei, mas como disse a vocês, tenho confiança nos meus jogadores. E faremos de tudo pra conseguir essa classificação.
Aquela frase marcou bastante. Tanto que virou até título de caderno na segunda-feira seguinte.
E isso aumentou a moral dos rapazes porque sabem que comigo terão muitas oportunidades de jogar.
Ali percebi que tinha o grupo na mão.
E precisaria deles mais do que nunca pro espinhoso jogo que teria contra o União Frederiquense.
* * *
Realmente esse jogo foi de testar corações.
Coloquei o time titular em campo e alertei sobre as bolas alçadas na área para Juan Noguera, que era um exímio finalizador.
A tática, contudo, não funcionou e justamente o paraguaio marcou logo no início de cabeça, o que me deixou extremamente irritado.
Menos mal que Charles havia empatado logo em seguida chutando cruzado e nos colocando de volta no páreo.
Daí em diante o jogo se abriu e a moeda poderia cair pra qualquer um dos times. Patrick acertou o travessão em cobrança de falta e levamos um susto quando Ricardinho perdeu um gol feito com Taguchi já batido.
Estávamos perdendo o meio-campo e Dener não jogava bem sobrecarregando Karl na marcação e os alas estavam ganhando o duelo contra nossos laterais.
Precisava fazer alguma coisa pra reverter o quadro e deixei Codorean no aquecimento para entrar no segundo tempo com o objetivo de anular o lado esquerdo do União Frederiquense.
No entanto, em outra jogada de área, Juan Noguera marcou um golaço de voleio e botou o time da casa a frente.
Foi então que arrisquei tudo. Coloquei Codorean pra ajudar Charles e Reinaldo no ataque e pedi a ele que usasse sua velocidade pelas pontas.
E que continuassem atacando porque de íntimo, imaginei que Zimmermann tiraria seus dois atacantes pra preservar o resultado.
Foi exatamente o que aconteceu.
Isso deu um alívio a nossa defesa e coloquei meus dois talismãs, Lucas Dantas e Giovani deslocando Darío Rearte para a zaga.
Se fizéssemos ao menos um gol, forçaríamos a decisão nos pênaltis.
E conseguimos isso bem no fim do jogo com um dos gols mais chorados que já vi na vida.
Tudo começou no cruzamento de Giovani. Charles cabeceou na trave, no rebote Lucas Dantas chutou no pé de Nicolas e depois Régis salvou em cima da linha o chute de Codorean.
No terceiro rebote, Rafael Carioca encheu o pé e empatou. Cara, ainda bem que estava com meu coração em dia porque não queria terminar minha carreira morrendo dentro da casamata como Jock Stein.
Fomos então para os famigerados pênaltis e ali Taguchi mostrou o porquê de ser chamado de “Jiraya” pelos companheiros.
Pegou três pênaltis e viu Jovany acertar o travessão na última cobrança. Karl e Lucas Dantas acertaram suas cobranças para garantir nossa sofrida classificação as semifinais do campeonato onde enfrentaríamos novamente o Grêmio repetindo a temporada passada.
E ali teria meu acerto de contas com Renato Gaúcho.
* * *
Passei uma semana quebrando a cabeça pra achar a formação ideal que pudesse ao menos conseguir um gol na Arena apostando em duas coisas: o saldo qualificado e a força da torcida no jogo de volta.
Resolvi então usar o 4-4-2 com a força máxima para esse objetivo de ao menos arrancar um empate com gols.
No entanto, reapareceram dois velhos problemas: a dificuldade contra equipes que jogam com três zagueiros e a famigerada bola aérea.
Tomamos os dois primeiros gols de Lincoln e Everton Cebolinha da mesma forma: cruzamento e cabeçada no meio dos zagueiros.
Isso abateu o ânimo dos rapazes e o primeiro tempo foi controlado pelo Grêmio em todos os setores.
Então tirei Maaroufi, que não estava bem e ainda levou um amarelo, e coloquei Alan Patrício pra tentar dar mais força ofensiva e quem sabe conseguir aquele gol importante.
Dito e feito. O time melhorou e o gol finalmente havia saído graças a uma jogada de pivô do garoto que ajeitou de cabeça pra Patrick entrar fuzilando Grohe e diminuir o marcador.
E poderíamos ter empatado o jogo se Charles não tivesse acertado a trave e no rebote, Karl acertou o poste oposto. Ah, se aquela bola entrasse, a história seria outra.
O castigo veio com Everaldo no fim e deixou nossas chances de ir á final pela segunda vez seguida muito reduzidas.
No entanto, um lance bobo nos deu esperanças pro segundo jogo. Lincoln havia tomado um cartão amarelo por acertar Douglas sem bola e era o terceiro dele, tirando-o do jogo da volta.
É bom lembrar que no ano passado, sua expulsão abriu o caminho para nossa classificação as semifinais e posteriormente, a final contra o Inter.
Notei em alguns jogadores um pouco de abatimento pelo resultado adverso, mas na reunião de vestiário, os animei dizendo que poderíamos vencer na semana que vem.
Tinha confiança no plantel que construí pacientemente nesses anos que fiquei no Caxias e com o grupo ainda focado na chance de uma nova final, ali vi que seremos capazes de vencer a partida.
Só não esperava que fosse tão tumultuado.
Tudo porque havia do outro lado um cara que não sabe perder.
* * *
Durante os treinamentos da semana, pedi aos rapazes finalizarem mais a gol. Notei um certo acanhamento na Arena com relação a esse fundamento e seria vital aperfeiçoá-los pelo fato de precisar marcar dois gols ou mais para chegar á final.
A torcida fez sua parte lotando o Centenário e isso animou a gente.
Na preleção final, apenas enfatizei a finalização pros rapazes que entenderam o recado.
E notei que Patrick estava em estado de graça nem imaginando que teria uma das melhores atuações dele com a camisa do Caxias.
Armou, atacou e ainda ajudou na marcação anulando o bom meio-campo do Grêmio e foi responsável direto pelos dois gols de Charles antes dos 20 minutos com um passe na medida para o primeiro e para um cruzamento milimétrico no segundo.
Revertemos o placar rapidamente, mas pedi pro pessoal não diminuir o ritmo e segurar a vantagem obtida nos 45 minutos finais acreditando que o Grêmio se abriria para marcar um gol, o que era suficiente para sua classificação.
No entanto, veio o lance capital que causou toda a confusão.
Um bate-rebate na área e a bola bate no braço de Luan. O juiz não teve dúvidas em marcar o pênalti e a reclamação foi geral com Renato indo de dedo em riste na cara do juiz.
Só entrei em campo apenas pra afastar os rapazes da confusão e veio algo que não esperava de um técnico de futebol.
Renato veio até mim e simplesmente cuspiu na minha cara. Aí foi demais.
Perdi a cabeça e tentei revidar a socos com a confusão se transformando em batalha campal.
A polícia teve trabalho pra acalmar os ânimos e quando serenou, o juiz distribuiu vários amarelos e expulsou a mim e a Renato mandando cobrar o pênalti a qualquer custo.
O pior ainda estava por vir. Na saída de campo, ele deu uma segunda cusparada em mim e ainda me acertou um pontapé na canela tão forte que inchou.
Nem vi o gol de pênalti do Patrick, mas saí satisfeito e com muita dificuldade em andar pela dor da pancada.
André Luiz assumiu meu lugar e fez boas substituições pra garantir uma vitória épica e sensacional que nos levou a final do Gauchão pela segunda vez seguida. O final foi bem comovente com a torcida aplaudindo os rapazes e gritando meu nome.
Até me levaram pra ver a torcida, mas não pude andar muito porque não suportei as dores no pé.
O presidente me deu um forte abraço e se preocupou sobre um possível julgamento no TJD, mas não queria ficar pensando nisso vendo a alegria dos rapazes em conseguir esse milagre de ir á final.
- Eu gostaria de parabenizar mais uma vez pela conquista, filho, realmente tu és o técnico pra esse time de guerreiros. Lamento ter te demitido. Se não acontecesse isso, ficaríamos na Série B.
- Obrigado pela confiança, senhor. Mas não podia levar um desaforo desses pra casa, o Renato me cuspiu duas vezes e ainda me acertou um pontapé na canela. Isso é um absurdo.
- Temo que os juízes podem prejudicar nosso time com sua provável punição. Mas já acionei o advogado do clube pra te defender no julgamento.
- Tomara que eu não fique de fora dessa final, senhor. Será contra o Inter, não é?
- Isso mesmo. Mas fique tranquilo porque todos nós vimos a selvageria que sofresse hoje.
Infelizmente isso custou caro pra mim.
Fui a julgamento no TJD e peguei um jogo de suspensão devido a briga ficando de fora do primeiro jogo da final contra o Inter no Centenário. Menos mal que Renato pegou 120 dias de suspensão devido as duas cusparadas e o pontapé que deu em mim mais as ofensas a arbitragem.
Por outro lado, era a chance de André Luiz mostrar seu valor como técnico interino e torço muito pra que supere essa fogueira que acendi.
Acredito que tem um grande potencial de tornar-se um treinador de sucesso.
* * *
A pior coisa em estar suspenso é não poder fazer nada pra ajudar os rapazes nesse jogo tão importante ficando apenas no papel de torcer.
Agora entendo o que o torcedor sente nas arquibancadas quando o time não corresponde as expectativas e fica cobrando do treinador uma atitude de mudar.
Eles estão certos. Afinal, se fosse um torcedor comum, faria a mesma coisa.
Aquela experiência me deu uma boa lição para o futuro. Não que vá mudar de tática a cada assobio, mas é bom ouvir as vezes o que o torcedor tem a dizer, porque de repente até pode melhorar o desempenho do time.
Antes de ir pra arquibancada onde Lúcia e o pequeno João Marcos já me aguardavam, fui rapidamente ao vestiário pra dar uma força aos rapazes e pedi a André Luiz monitorar a situação física de Rafael Carioca, Patrick e Charles que estavam desgastados pela maratona de jogos.
O problema é que esses três jogadores são justamente os pontos fortes da equipe e queria contar com eles para o jogo de volta no Beira-Rio decidindo apostar de forma arriscada nas substituições deles durante a partida.
Tudo dependeria das circunstâncias.
Fui então as sociais e fiquei contente pelo “fã-clube” do meu filho. É a primeira experiência dele em um campo de futebol com apenas nove meses de idade e acredito que se ele seguir meus passos, é um ótimo lugar pra começar.
Nunca fiquei tão nervoso como esse jogo de ida. Ali sofri bastante e ainda mais quando Anderson fez 1 x 0 pro Inter em uma jogada individual, depois vibrei como um possesso quando Reinaldo empatou de cabeça, fiquei ainda mais feliz quando Maaroufi virou o jogo aos 46 do segundo tempo e decepcionei-me com o gol de empate do Inter no último lance em uma cabeçada de Rodrigo Dourado.
O empate em 2 x 2 foi um péssimo negócio e nos obrigava a outra jornada épica em Porto Alegre onde teríamos que vencer a qualquer custo.
A boa notícia é de que estaria de volta a casamata para tentar quebrar essa escrita negativa.
* * *
Durante a semana cheia, notei que precisava fazer algumas mudanças assim que li o relatório de André Luiz.
Ele fez bem as substituições e poderia contar com Rafael Carioca, Patrick e Charles para o jogo no Beira-Rio, mas Rodrigo Arroz sofreu uma fisgada na coxa e era dúvida pra partida.
Coloquei Takumi Oguri de sobreaviso caso os médicos vetem Rodrigo Arroz, o que seria terrível para a moral da equipe ficar sem seu capitão.
Já Dener era desfalque certo. Pelo relatório, ele ficou muito abalado pela falta que fez no gol de empate do Inter e chegou a chorar no vestiário depois do jogo.
Chamei-o a um canto depois do treino pra conversar e acabei compreendendo sua situação psicológica. Menos mal que Clayton jogaria porque era a oportunidade perfeita pra readquirir um pouco a confiança e quem sabe voltar a titularidade.
E pra piorar um pouco mais a situação, Jean e Reinaldo sentiram lesões musculares durante um treino de finalização e o departamento médico também os vetou pro jogo da volta.
Ali notei o preço que estavam pagando por querer tanto este título que é importante também pra eles tanto quanto é pra mim.
Coloquei Léo Carioca e Codorean em seus lugares e notei o quanto os dois receberam apoio dos veteranos titulares, provando a união desse grupo tão maravilhoso que construí nesses quase três anos á frente do Caxias só cortado por um breve período no Oeste.
Enquanto quebrava a cabeça pra montar um esquema capaz de neutralizar o qualificado meio-campo do Inter, o presidente chamou a mim e a Rodrigo Arroz para uma reunião de emergência preocupado com as finanças do clube.
Ali recebi a notícia de que Fernando Carioca havia sido vendido para o Bahia de Feira de Santana deixando-me com poucas opções no banco.
Fiquei um pouco chateado com isso, mas são negócios e nada poderia fazer. Ao menos, garantiu o salário de abril para os outros jogadores o que era uma motivação extra pro jogo de domingo.
Já em Porto Alegre, recebi uma péssima notícia.
Rodrigo Arroz voltou a sentir o músculo no aquecimento e acabou mesmo de fora.
Deu pena de vê-lo tão triste assim. Ele sabe que está perto de se aposentar e queria erguer uma taça antes de pendurar as chuteiras.
Takumi Oguri foi pro jogo e na preleção, pedi a eles jogarem tudo o que puderem.
Mas sem nosso capitão e sem o melhor finalizador, sabia que as coisas seriam muito complicadas para nós.
Ainda mais contra um Beira-Rio com mais de 50.000 pessoas.
O lógico seria mais uma derrota, mas nem mesmo eu pensava que o resultado acabaria sendo diferente e que a minha teoria dos 30 titulares acabasse sendo provada com sucesso.
Porque foi justamente os três reservas me deram algo que tanto persegui na minha carreira.
Um título.
* * *
O jogo era como o imaginado. Odair Hellmann colocou o Inter com três atacantes e dois meias ofensivos pra tratar de decidir logo a parada.
Foi o jogo perfeito de ataque contra defesa no primeiro tempo. Tanto Takumi Oguri quanto Léo Carioca faziam de tudo pra manter a bola longe da área e inclusive o japonês salvou uma jogada dentro da área com Taguchi já batido.
Não poderia ir como louco pra cima do bom sistema defensivo colorado e esperava por aquela bola que podia decidir não só o jogo como também o campeonato.
Por isso apostei na velocidade de Codorean pra encaixar um ou outro contra-ataque e recuei Charles pro meio-de-campo na tentativa de melhorar o passe, cuja característica era a melhor dele.
Na prática, fiquei sem ataque. Era uma aposta arriscada porque atrairia todo o time do Inter para o campo de ataque, diminuindo as chances de contra-atacar.
E numa dessas escapadas do romeno, o gol saiu.
Um dos mais lindos que já vi na vida.
Como Maradona, ele pegou a bola do campo de defesa, deixou cinco colorados no caminho, ainda entortou Cuesta e antes do Lomba sair, tocou por cima e a bola entrou.
Foi uma explosão de alegria na casamata nunca vista antes. O título estava quase em nossas mãos e ainda assim pedi calma aos rapazes porque sabia que a pressão seria infernal em cima de nossa defesa.
E foi o que aconteceu no segundo tempo.
Mas Taguchi estava lá para garantir a vitória e o título. Fez seis grandes defesas e ajudou a dar segurança a zaga reserva que deu por si só conta do recado.
Uma delas foi numa falta de muito longe cobrada pelo Pottker onde a bola fez uma curva incrível e ele teve que dar um tapa com a ponta dos dedos pra escanteio.
Coloquei Sugimoto pra prender mais a bola no ataque e Lucas Dantas como referência na área pra ganhar segundos preciosos.
Foram longos seis minutos de acréscimos antes do juiz trilar o fim de jogo e sacramentar minha primeira conquista como treinador.
Contra todos os prognósticos, calamos mais de 50.000 pessoas e outras 1500 gritaram a plenos pulmões que éramos bicampeões gaúchos igualando ao Guarany de Bagé depois de tantos anos.
Vi Nininho Braz chorando muito nos braços de Reinaldo e Jean e João Ferraz liderando a roda de rezas e agradecimentos pela conquista.
Eu, no entanto, estava ainda mais feliz quando olhei para as arquibancadas e vi meu pai e seu Flávio juntos torcendo por mim.
Dentro de mim, havia uma criança chorando de alegria, mas não podia sair ainda, não ainda.
E graças a esses meninos da base, aos estrangeiros que contratei e mesclado com a experiência de alguns jogadores-chave como Rodrigo Arroz e Reinaldo, meu sonho se tornou realidade.
O sonho de colocar meu nome na lista dos grandes campeões.
E havia outro motivo pra comemorar.
Faria 38 anos no dia seguinte, mas o presente já estava em minhas mãos.
* * *
A festa foi bonita. Assim que recebi a medalha no peito, um filme passou na minha cabeça.
Lembrei-me da minha mãe que sem dúvida, estaria aqui pra ver essa cena e também pensei o quanto Carlos e Luís sentiam quando ganhavam seus títulos.
Agora tenho essa mesma sensação de ser campeão e é boa pra caramba, mas sei que ainda tenho muito o que percorrer pra chegar no patamar deles.
O grande momento foi quando Rodrigo Arroz ergueu a taça e o pessoal pulou de alegria naquele palanque, ali foi o extravasar de todos nós.
Não faltou o balde d´água jogado na minha cabeça pelo Pietro e pelo Patrick e muitos cantos dos 1500 torcedores que apoiaram a gente.
Nem mesmo passou pela minha cabeça que os frutos dessa reconstrução fossem colhidos tão depressa.
Ainda no vestiário, recebi a visita do meu pai e ali não pude conter mais as lágrimas de alegria abraçando o velho.
Por que sabia que eu seguiria o caminho de sucesso que trilhou quando treinador.
Assim que voltamos a Caxias do Sul, um carro de bombeiros nos aguardava para o desfile e aí as ruas vieram abaixo com nossos torcedores gritando e acenando pra gente, com alguns tirando fotos e registrando esse grande momento no celular.
Fomos ao Centenário para dar uma volta olímpica com a taça e o público entrou em um êxtase total com a alegria de ser campeão.
Até cantaram um “Parabéns a você” no dia dos meus 38 anos, mas notei que ninguém da minha família estava lá.
Sabe aquela coisa de só pensar na parte ruim? Foi o que houve comigo.
Corri pra ver o que tinha acontecido e dei de cara com meu pai na entrada do prédio.
- Aconteceu alguma coisa, pai?
- Nada de mais filho, hoje é seu aniversário e vim pra te dar um abraço.
Mas notei algo diferente no olhar dele e algo estranho no ar também.
Quando a porta se abriu, fiquei boquiaberto com o que vi. Havia uma mesa enorme de doces e salgadinhos e um bolo bem grande com os dizeres: “PARABENS CAMPEÃO!!” e todo mundo estava lá.
Carlos e Luís com suas esposas e filhos, seu Flávio e alguns vizinhos do prédio, enfim todos vieram por mim.
Foi, sem sombra de dúvida, a melhor festa de aniversário da minha vida.
No dia seguinte, houve a festa de entrega dos prêmios aos melhores do Gauchão e fui eleito como melhor técnico e Taguchi, Darío Rearte, Rafael Carioca, Patrick e Charles foram eleitos pra Seleção do Campeonato. E o legal é que a NHK mandou um repórter cobrir a festa de entrega do prêmio de Taguchi, que virou um ídolo pro povo japonês.
O mais importante é ver o quão proveitoso foi meu trabalho a ponto de testemunhar este momento.
Depois, tiramos a foto oficial da entrega de faixas no meio do campo que ficou bem moldada na forma de poster e pendurada na parede de entrada do estádio.
O título foi bom, mas a parte mais difícil da reconstrução estava prestes a começar na Série C contra o Salgueiro e também na Copa do Brasil contra o Bragantino, onde teria que encarar a hostilidade da torcida local.
Mas nossa confiança estava em alta.
Acredito que dessa vez as coisas serão bem diferentes das que aconteceu na temporada passada.
Porque o time está bem mais forte.
CONTINUA...