Fonte de imagem: GOOGLE





LONGE DA MULTIDÃO (PARTE DOIS)

 
E o tão ansiado sábado chegou. Logo pela manhã, após tomar banho e também o café com as torradas do costume, Lena espalhou sobre a cama vários vestidos, com o intuito de escolher o mais apropriado para o encontro com Mário. Indecisa, acabou por sair de casa sem a escolha feita. 
Abriu a pequena loja e ao longo da manhã as clientes desfilaram pelo balcão onde estava, perante a sua impaciência. Parecia que o relógio tinha parado, nunca mais eram treze horas.
Por fim, chegou a hora de sair, fechou a caixa registadora, baixou as grades automáticas da montra, ligou o alarme e foi para casa. Sentia borboletas no estômago, não tinha fome, apenas nervosismo. 
Comeu uma sanduíche de perú, bebeu um sumo de laranja e um café terminou a frugal refeição… Depois de lavar a loiça e escovar os dentes , rumou ao quarto. Após demorada ponderação acabou por escolher um vestido azul escuro com gola branca…  Hummm … parecia uma colegial. Sabia que tinha boa figura e aquela vestimenta acentuava-lhe a elegância sem provocar pensamentos menos próprios. 
Entretanto já estava quase na hora e rumou à esplanada. 
Mário já lá estava numa mesa, pôs-se de imediato de pé e estendeu-lhe um pequeno bouquet com rosas salmão…  Lena sorriu, eram as suas preferidas… ali havia dedo da Fernanda.

-  Desculpe chegar atrasada, detesto.
- Atrasada? Chegou às duas e meia em ponto - disse Mário. - Então, está com vontade de andar um pouco? A empresa fica relativamente perto mas se quiser, chamo um taxi.
- Não, até gosto de andar… e o dia está bonito.
- Ainda bem!
Lena olhou-o de lado, tentando perceber o sentido que ele dera à frase mas pareceu-lhe natural. Ah… aquela mania de desconfiar de tudo…
Foram caminhando até chegar frente a um edifício de vários andares, pintado de forma algo pretensiosa, um contraste de cores demasiado vistosas. Mário sorriu.

- Acha o prédio piroso, não é? Eu sempre achei, mas quem manda pode e foi escolha do maior acionista… Fazer o quê?
- Adivinhou-me o pensamento - disse Lena e também sorriu. 
Mário tocou a campainha e o segurança surgiu logo pressuroso, sorrindo. Cumprimentou-o e também a Lena, olhando-a com curiosidade. Lena corou.
Depois caminharam atrás dele e pararam dentro do largo hall, frente aos elevadores. Mário deu passagem a Lena e foram até ao último andar, onde havia um grande terraço, mesas e cadeiras, para além de uma parte coberta, parcialmente envidraçada, com um balcão e um  grande frigorífico com portas em vidro, o qual deixava ver iguarias destinadas a snacks, para além de várias bebidas.
Mário conduziu-a até ao murete de proteção, foram caminhando ao seu redor olhando a paisagem. Como a cidade não tinha edifícios altos, aquele tinha uma excelente vista, quase a 360º, o que maravilhou Lena.
- A vista daqui é linda…- exclamou ela, deslumbrada.
- Venho aqui muitas vezes, faço um intervalo para um café ou uma bebida fresca… Detesto estar fechado horas a fio sob a artificialidade do ar condicionado.
Entretanto foi dando-lhe explicações sobre a filosofia de emprego da empresa. Assim, ela ficou ciente que o gabinete onde ele e alguns colegas trabalhavam ficava dois pisos abaixo do terraço. No abaixo daquele onde se encontravam havia um refeitório e os restantes pisos tinham uma série de gabinetes, com as mais diversas finalidades, mas quase todas ligadas aos projetos e sua execução, a base da empresa.
Dois terços do pessoal laboravam fora, em obras adjudicadas nos mais variados pontos do país e também em Espanha e França.
Depois, antes de sair, passariam pelo gabinete dele.
Ficaram calados alguns minutos, depois ela reatou a conversa. 
Aquela moça que foi consigo à festa de anos da Fernanda… pareceu muito intima consigo, de início até julguei que fosse sua namorada mas depois a Fernanda disse-me que era a sua irmã…
É verdade, de facto não é muito parecida comigo, mas é muito mais bonita que eu. Além disso, adora-me… na verdade a Fernanda é, na prática, a minha única família. Ela e o filho, o meu sobrinho e afilhado Pedro. Tem oito anos e é uma doçura de menino…
Lena constatou a emoção dele ao falar do miúdo.
Nunca tive filhos, nem sequer cheguei a casar - disse Mário. - De vários namoros, apenas um foi mesmo a sério. Durou dois anos que pareceram uma eternidade de bem querer. Gostava demais dessa mulher mas depois ela caiu de amores por um colega advogado e fiquei para trás… Isso deu-me uma lição, nunca esperar demasiado da vida. Um dia de cada vez é a atitude mais sensata.
Eu também tenho uma história de vida, vivo sozinha, só tenho a minha mãe, que vive em Viseu com a única irmã, mais velha e acamada. Conheci alguns homens mas por diversas razões todos foram grandes desilusões.
-  
É a vida, não é verdade?  
É…Estou a sentir sede… Não tem por ali uma água mineral fresca?
-  
Ah, desculpe a minha falta de hospitalidade… Claro que sim… vamos sentar ali perto do balcão, é mais agradável, estaremos à sombra e a vista não é muito prejudicada.
Desculpe a indiscrição, claro que vive sozinho…
Sim, mas a minha irmã vive no mesmo prédio, apenas dois andares abaixo. Ao fim de semana costumamos sair os três. Também partilhamos a faxineira. Gosto de tudo bem limpo e arrumado. 
Estiveram na conversa sobre vários assuntos, nenhum relevante, até que começou a arrefecer e ela fez-lhe sentir o adiantado da hora.
Tem de ser, não é? - disse Mário, olhando para ela com algum pesar.
Sim, tem de ser.
Desceram até ao piso onde ficava o seu gabinete e ela admirou o espaço e a arrumação de toda a sala. Até parecia que tinha havido ali mão feminina.
Voltaram ao elevador, desceram até à entrada e despediram-se do segurança.
Gostei muito da visita - disse-lhe ela.
Ainda bem. Fico deveras satisfeito. - Hesitou e depois arriscou o convite:
Lena, desculpe o atrevimento mas gostaria de estar consigo amanhã… não me leve a mal… eu explico… Quer ir comigo, a Fernanda e o Pedrinho passear até à beira-mar? Almoçamos, por exemplo, peixe fresco da costa e decerto que será um dia bem passado…
Lena pensou um pouco e aceitou o convite, olhando-o, sorridente.
Sim, claro que sim, a sua irmã também me pareceu boa pessoa.
Só ela?
Lena corou e respondeu:
Claro que não.
Dê-me o seu número de telefone para combinarmos o passeio. Preciso de falar com a Fernanda sobre isto, ok?
Ela deu-lho e também registou o número dele.
Então até amanhã - disse Lena.
Até amanhã - respondeu Mário e estendeu a mão para se despedir.
Lena olhou-o bem nos olhos e deu-lhe um beijo na face, deixando-o surpreendido. Afinal ele tinha-lhe agradado. Sorriu, feliz.
Mário nem podia imaginar que esse estado de espírito era amplamente partilhado por Lena, que caminhava  devagar, em sentido oposto, com um sorriso sonhador…





 
FIM



 

 
 
Ferreira Estêvão
Enviado por Ferreira Estêvão em 06/03/2021
Reeditado em 07/03/2021
Código do texto: T7199879
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2021. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.