Conto das terças-feiras – As garotas do bangalô branco e antigo
Gilberto Carvalho Pereira – Fortaleza, CE, 2 de março de 2021
— É aqui, dizia Érica Suely, a mais extrovertida do grupo.
Eram três moças que desciam de um taxi procedente da rodoviária. Cada uma com duas malas e seus pertences. Já tinham reservado um quarto para as três no bangalô de dona Evangelista quando pesquisavam acomodações de baixo custo, pelo Google. Era ali que elas passariam seus próximos seis anos, durante os estudos para se formarem, as gêmeas, em medicina, sonho das duas, acalentado pela dona Marina, moradora no interior da Paraíba e mãe das meninas. Seria a redenção da família, até promessa para “padim” Padre Cícero, o santo Nordestino ainda não canonizado, entrou nessa história.
Pelas boas notas no Enem, as duas garotas foram aceitas na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro-UNIRIO, e todos os esforços foram feitos para que elas, naquele dia, estivessem em frente àquele bangalô caiado de branco, desbotado e com péssima manutenção, localizado à Rua Silva Ramos, bem próximo a UNIRIO.
— Puxa, é aqui que vamos morar? - perguntou Maria das Dores, achando que no Rio de Janeiro tudo era lindo, maravilhoso.
— É o que temos, disse Marly Stephany, já retirando suas duas malas do táxi, logo seguida pelas duas outras jovens.
Pagaram o valor estipulado pelo taxista, tocaram a campainha do bangalô, sendo recebidas por uma senhora gorda, de andar difícil e falando apressadamente:
— Bom dia, entrem, por favor. O quarto de vocês já está arrumado. Sigam o corredor, terceira porta.
Reclamando pelo peso das malas, elas seguiram a orientação da senhora, abriram a porta do quarto e entraram. Ali estavam bem arrumadas três camas, um guarda-roupa e duas mesinhas, para estudo. O quarto era amplo, confortável e cheiroso, nem parecia com o que elas perceberam na fachada frontal. Isso tirou a má impressão de Maria das Dores. As três se deixaram cair nas suas respectivas camas, tão cansadas que estavam pelas 48 horas de viagem de ônibus entre João Pessoa e a cidade do Rio de Janeiro, percorrendo 2.448 km. Quando acordaram já era noite. Não haviam se alimentado até aquela hora, saíram do quarto, procuraram a dona Evangelista, para saber onde poderiam fazer um lanche.
Dona Evangelista, na sua experiência dos seus 51 anos, dos quais 40 morando naquela rua e conhecendo todos os males da cidade maravilhosa, alertou às recém-chegadas que tivessem muito cuidado, não dessem bobeira, sempre andassem as três juntas e nunca se afastassem para muito longe.
Para elas o Rio era uma tentação, mais que cursar medicina, para as gêmeas, o prazer de morar na cidade maravilhosa, um sonho despertado desde a idade de treze anos, quando uma tia que, de longa data morava nesse encanto de cidade, as visitou e deixara implantado na cabecinha desmiolada das duas os encantos do Rio. Tudo estava planejado desde aquela data, estudar muito, passar com mérito os anos escolares e fazer a prova do ENEM para obter as melhores notas, passaporte para o paraíso. Ralaram, ralaram, e foram recompensadas. Estavam ali por mérito e por paixão.
— Vamos logo cambada de gente, a noite é uma criança, vamos lanchar e depois dar um rolê por aí, - falou Érica Suely toda eufórica.
As irmãs pegaram seus celulares, iPhone 12, presente da mãe por terem entrado na Faculdade de Medicina, e a prima com seu reles celular que comprara de segunda mão, há mais de dois anos. As três tomaram rumo da Rua Gonçalves Crespo, seguindo até o Restaurante Parmê, onde jantaram. Perceberam, pelo Waze, que estavam próximas ao Parque Shopping América e para lá se deslocaram. Nenhuma se preocupou com as recomendações de dona Evangelista. Permaneceram ali, até às 21 horas. Com espírito de exploradoras, mais uma vez consultaram o celular, à procura de lugares interessantes para visitar. Encontraram a Tijuca Choperria, na Rua Afonso Pena e para lá foram. Muitos jovens bebiam e se divertiam. A entrada das garotas chamou a atenção de um grupo, elas eram lindas. Às 23 horas resolveram voltar para o bangalô, depois de apenas duas canecas de cerveja. Faziam o percurso de volta, já na Rua Gonçalves Crespo, quando foram visitadas por dois motoqueiros, que as mandaram parar e o que estava na garupa da moto saltou para arrancar, com violência, os pertences de uma delas. Assustadas, tentaram correr, mas foram alcançadas pelas balas de dois revólveres, sem testemunhas. As três caíram, uma em cima da outra, instinto de proteção. Nada mais adiantava, já estavam sem seus pertences, sem a alegria de suas juventudes, sem poder desfrutar da cidade maravilhosa e de seu sol. Sem suas vidas!