A Queda da Mala
27/02/2021
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Fui visitar minha mãe em São Paulo de moto. Fiz todos os preparativos no dia anterior, um sábado. A mala, uma daquelas duras, com rodinhas de se levar puxando, fixei-a no bagageiro da moto com uma “aranha”, ou rede, e tensores, elásticos. A rede estava um pouco desgastada, mas com os tensores, ficou firme. Um trambolho, parecendo que estou de mudança.
No dia seguinte, domingo, saí às cinco horas da manhã para a longa viagem de 800 quilômetros. Cruzei o centrinho da nossa praia, segui em direção à via principal até a saída da ilha de Florianópolis, acessando à estrada para Curitiba. O dia amanhecia limpo, com a noite clareando com o reflexo do sol crescendo no horizonte, quando escutei um barulho forte e o som de alguma coisa sendo arrastada. Tateie a mala e nada, ela não estava mais atrás de mim. Assustei e parei em um ponto de ônibus, ainda iluminado.
Desci da moto com a mala no chão presa por um dos elásticos salvadores.
-Caramba, será que vou começar a viagem com problemas logo no inicio? Se não fosse esse extensor, a mala já era.
Avaliei a situação: a mala estava com o seu fundo ralado e um furo. A aranha, com alguns ramos esgarçados, mas poderia ser usada junto com os elásticos, refazendo a carga. Volto para casa e troco de mala , ou não? Decidi ir assim mesmo. Montei novamente a carga com a “mala” danificada, que durou quase uma hora. Às 6:00 horas retomei a viagem.
Foi tranquila, com a “mala” firme. O dia se manteve claro e límpido, quente, chegando às 14:00 horas. Fui bem.
Passaria dois dias na Capital, revendo meus dois filhos e amigos. Alguns compraram o meu primeiro livro e os autografaria aproveitando a ida, encontrando-me com eles. Depois, iria para o interior, Holambra, a cidade das flores, onde mora minha irmã. Minha mãe está lá também, em uma casa de saúde de holandeses, ótima. Fazia mais de três meses que não via a família. Muitas saudades.
Mas antes, tinha que resolver o problema da “mala”, pois não viajaria com a ralada, já que ao abri-la, os zíperes se soltaram, não tendo mais como fechá-la. Teria que comprar outra, mais simples, de tecido, se possível impermeável, do tipo sacola de ir ao clube ou academia. Dura, nunca mais. Aliás, ao contar o fato para a minha mulher por telefone, tive que aguentar o seu comentário sarcástico: “Eu sabia que isso ia acontecer, ela é dura e fica balançando, mas não quis te falar. Como você é motociclista e engenheiro...”
Então, no dia seguinte, fui pela manhã a pé à loja Americanas na Rua Augusta, ver se encontraria alguma coisa; nem mala ou sacola tinha lá.
Saí da loja e decidi subir a Rua Augusta até a Avenida Paulista, pois sabia que havia o shopping dos coreanos, onde poderia encontrar uma sacola boa e barata.
Iniciei a subida andando calmamente, tinha tempo. Observei as muitas placas de aluga-se e vende-se nas portas das lojas fechadas, e muitas construções em lançamento e em andamento. Espantaram-me as duas situações.
Cheguei à esquina da Alameda Santos com a Augusta, no topo da subida, e vi onde era o antigo e tradicional restaurante Galeto’s, fechado. Não acreditei. Fui até lá. Ficava no térreo de um edifício, com o salão todo envidraçado, agora coberto por um plástico preto. A sua entrada era ao lado da do prédio, e um senhor que deveria ser o Zelador, acompanhava uma entrega para o condomínio.
-Bom dia. O Galeto’s fechou? – Perguntei-lhe.
-Bom dia. Sim, faz mais de ano.
-Incrível! Ele era bem antigo e frequentei muito nos anos 80. O da Santos perto do Trianon também fechou?
-Sim, todos fecharam por causa da pandemia, faliu – respondeu.
-Pois é, subi a Augusta a pé agora e vi muitas lojas com placas de aluga-se e vende-se. E muitos prédios em construção – completei.
-As construtoras estão fazendo a festa. As pessoas não conseguem alugar, as lojas fechando, os impostos são altos, e acabam vendendo por preço de banana. Aqui no prédio tem muita sala vazia, desalugada.
-Obrigado. Boa sorte – despedindo-me.
Na esquina, tirei algumas fotos do local. Fiquei ali olhando parado por um tempo, e muitas lembranças reavivaram na minha memória daquela época. Frequentávamos mais o que ficava perto do Parque Trianon, íamos aos domingos com os dois meninos, pequenos ainda. Gostávamos do “galetinho” com polenta frita. Era muito gostoso, sequinho e crocante, e eles adoravam principalmente a polenta. Brincávamos bastante, os três. Eu tinha a mania de, enquanto esperávamos os pratos, fazer bolinhas de guardanapo de papel, tentando acertar o copo deles como cesta de basquete, e eles o meu, acabando em uma enorme guerra entre nós, cada um querendo acertar o copo do outro. Era uma farra, de gostosa alegria e lembrança. A mãe ficava tentando nos controlar, sem sucesso. Às vezes, outras mesas com crianças copiavam a nossa brincadeira, para a “alegria” dos pais. Em um domingo, almoçávamos lá e ouvimos um falar alto e agressivo, xingamentos e o som de cadeiras derrubadas, copos quebrando, talheres ao chão: dois garçons brigavam no fundo salão engalfinhados, rolando no chão; uma loucura. Mas nada tivemos com esse fato. Foram bons, muito bons nossos momentos no Galeto’s.
Continuei a caminhada até o Shopping Center Três, na Avenida Paulista, procurando alguma loja de malas e sacolas. O dos coreanos estava fechado. Encontrei uma onde havia malas, mas sem sacolas. A atendente me indicou uma loja na rua junto à saída nos fundos do Shopping.
Lá, encontrei a que procurava: uma sacola boa e barata, que comprei. Joguei fora a “mala”. Fiz a montagem da nova no bagageiro da moto, que ficou compacta e firme. Perfeito.
Assim, de sacola nova, fui ver minha mãe e irmã, e depois, voltei para “Floripa”. As inesquecíveis lembranças do Galeto’s, se não fosse pela queda da “mala” no início da viagem, não seriam reavivadas na minha memória. Uma pena que fechou. E a queda da mala, teve a sua função, fora a de ser uma "mala".
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