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LONGE DA MULTIDÃO
 


 
O par estava sentado à mesa da esplanada, duas chávenas vazias à frente deles. O homem estava distraído, ela, nervosa, mexia no celular, parecendo procurar algo. Já estavam ali há uns minutos, em silêncio. Eram praticamente os únicos clientes. Por fim ele falou:
- Então o que faz na vida, Lena? - perguntou-lhe Mário, olhando-a curioso.
Ela deitou-lhe um olhar algo enfadado e respondeu:
- Tenho uma loja de flores, ou melhor, faço a sua gestão pois é da minha mãe. E você, é arquiteto, não é verdade? Foi o que a Isaura que disse.
- É verdade, e chamo-me Mário - respondeu-lhe ele, e o silêncio regressou.
Uma amiga comum, a Isaura, tinha-os apresentado numa festa de anos de outra amiga dela, a Fernanda, e Lena tinha ido a convite da aniversariante.
Mário mostrara-se logo interessado nela, Lena nem tanto. Depois de um recente namoro falhado, homens seriam a última coisa que lhe interessaria. Ela soube depois que Mário estivera na festa acompanhado pela sua irmã, Patrícia, de início julgou que ela era namorada e tendo-lhe tirado a pinta, parecera-lhe que ele tinha todo o ar de mulherengo, de engatatão, muito seguro de si. Demasiado, pensou ela.
Ficou surpreendida com o convite para tomarem um café juntos, ele falara com ela alguns minutos apenas e mais surpreendida ficou por o ter aceite. Aparentemente, nem fazia o género dela… Agora estavam ali, lado a lado.
Por fim, Mário falou de novo:
- Percebi que deve ter tomado conhecimento da minha má fama, mas não julgue pelas aparências. Fazendo-o, pode estar a cometer um erro.
- Nunca me engano - respondeu Lena.
- Pois sim… Então se dá mais importância ao celular que a mim, é porque não tenho assim tanto interesse…
Lena olhou para ele, acusou o toque, apesar de tudo sentiu que talvez se estivesse a precipitar. Ele não a tinha sequer ofendido e sabia como as amigas por vezes eram demasiado injustas no julgamento dos homens. Sobretudo a Fernanda, que achava que todos eram puros machos latinos, com o cérebro um palmo abaixo do umbigo, sempre prontos para mentir e seduzir. Sabia a razão dessa postura, era puro despeito, pois fora preterida por um namorado que a trocara por outra mais nova. Assim sendo, resolveu dar-lhe mais uma oportunidade, prolongando aquela conversa, até ao momento ainda sem interesse.
- Trabalha aonde?
- Sou arquiteto numa empresa de construção civil, a Teixeira Duarte. Conhece? Sou um entre quase quatro mil funcionários…
- Tantos?
- Bem, arquitetos somos só vinte e um… - riu Mário.
Lena também riu, de facto seria impossível que uma grande empresa tivesse só arquitetos como funcionários. Olhou-o com mais pormenor e de facto ele era bem parecido. Não admirava que seduzisse assim tantas mulheres… Olhou-o de novo, desta vez com mais minúcia.
Ele percebeu o olhar dela e sorriu, mas foi um sorriso amargo.
- Está a avaliar-me, não é? Sabe? Acho que pelo que parece, você é uma solitária como eu…
- Como sabe?
- Informei-me… Tal como conhece alguma coisa de mim, também conheço algo sobre si, pouco, é verdade, mas é alguma coisa…
Lena sorriu mentalmente… Ele afinal não era assim tão superficial como a amiga o pintou.
Mário voltou a surpreendê-la:
- Um dia destes, talvez no próximo final de semana, quer ir ver a minha empresa, uma visita sem intuitos de inspeção, apenas para constatar como é uma grande firma?
Lena demorou um pouco a responder, vacilante, mas depois decidiu-se… Que mal tinha? Não ia passar um fim de semana com ele, seria apenas uma visita de cortesia. Ao fim de algum tempo respondeu:
- Está bem, onde fica?
- A dois quarteirões desta esplanada. Quer encontrar-se aqui comigo no sábado à tarde? Às catorze horas?
- Pode ser, fecho a loja às treze e ainda tenho tempo para almoçar… pode ser às catorze e trinta?
- Sim, claro.
Ela levantou-se da cadeira, ele também, pagou os dois cafés apesar dos protestos dela e olharam-se, algo vacilantes. Mário aproximou-se para lhe beijar a face mas Lena estendeu-lhe a mão e despediram-se.
Ele ficou a vê-la a afastar-se. Então percebeu o que o atraíra nela. Para além de ser elegante e bem bonita, tinha mais qualquer coisa… Uma química que o atraía… Quem sabe o que o destino lhes tinha reservado?








 
Ferreira Estêvão
Enviado por Ferreira Estêvão em 01/03/2021
Reeditado em 03/03/2021
Código do texto: T7195641
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