O sentido no imprevisível
Nasci por nome Leonon. Leonon Alcantara. A música já existia em meu sobrenome. Somente como uma fórmula eterna. Na verdade, sempre existiu.
Lá pelos meus sete anos de idade, senti um frescor, uma brisa suave e súbita tal qual uma ventania de epifanias.
Antes de elucidar sobre o causo, preciso contar o que fui e o que ainda tento ser. Ou, quem sabe, o que sou. Minha primeira memória vem de 3 anos. Órfão. Permaneci naquele lugar até os 6 anos, quando fui adotado. Não recordo o nome do internato, já que os sons ali presentes eram mais fortes que seu nome. Não sei se todos iriam considerar aquilo como uma música ou como um barulho. Enfim, as percepções mudam, mas aquilo É.
A efemeridade de meus dias era como um pedido para pertencer a uma família. Desejava que os dias passassem depressa e eu encontrasse um lar. O sonho de encontrar um refúgio e um destino era o que permanecia e inundava minha imaginação durante esses seis longos anos.
Agora de volta aos meus 7 anos de epifanias. Já fazia um ano que morava com aquela família. Ouvi-os falarem para as outras pessoas: “Leonon é superdotado”. Quando ouvia essa frase, minha imaginação me levava para um super herói desconfigurado. Pensava em um pobre menino com super pais que se compadeceram diante de sua carência e adotaram-no.
Segui minha vida com a companhia de uma dor forte no peito, conhecida como Angina. Mesmo com esse aperto forte eu dava a mão para uma grande, talvez amiga íntima, a esperança. Foi aí que, aos 7 anos, meditando no meu quarto, olhei para um armário velho, cheio de teias de aranha e pensei: só consigo ver esse armário velho.
- Ele existe só pela minha visão?
- O que torna esse armário um armário legítimo?
Pensei: terei que abri-lo para ver se ele está cumprindo seu “papel”.
- O que me orientou nessa ação de abrir a porta do armário?
- Foi algo invisível? O que aquele objeto - que eu ainda não sabia se era definitivamente um armário - por não saber se este cumpriria sua função de guardar utensílios queria me dizer?
Tudo tem um Verbo, fala com a gente, demonstra uma vontade. Eu ouvi esse armário pedindo para ser aberto. Olhei para o puxador e dei a ele a oportunidade de existir, mesmo existindo de forma passiva sobre mim e ativa sobre o armário.
A porta emperrada já fazia um som. Puxei-a com toda a minha força. Por algum motivo maior, ainda desconhecido, prendi a respiração, fechei os olhos da minha insegurança e quando abri a porta; abri também a porta da minha alma. Dentro desse armário havia a seguinte frase: Caminhe lentamente, não se apresse, pois o único lugar ao qual tem que chegar é a si mesmo.
Esse armário guardava um violino e não era um simples violino: era um estradivário! Olhei para o violino. Ele me olhou. Mesmo sem tocá-lo, ele me tocou. Como pode um violino tocar o nervo de um homem apenas existindo? A beleza toca-nos profundamente. Platão a viu como um objeto do desejo e uma porta de entrada no transcendental.
Esta beleza tinha muito a me dizer, fala diretamente, qual voz de um amigo íntimo.
Peguei o violino. Coloquei na espaleita. Ajeitei minha postura na queixeira, afinei-o apertando e afrouxando a cravelha. Coloquei breu na crina. Dancei com o arco para cima e para baixo numa leve melodia.
Agora sim, os ouvidos do violino escutavam o meu coração cantando. Eu havia, certamente, chegado a mim mesmo: agora eu era o Leonon Alcantara. O imprevisível do mundo trouxe o sentido de minha vida apenas pela sua completa e eterna existência.