O homeopata
Quero um médico, que venha em minha casa como antigamente. De terno branco de linho, olhar bondoso, paciente. Que tome café na sala e dê dois dedos de prosa antes da consulta. Que pergunte por todos da família e queira saber do avô, da avó, do netinho e até daquela tia encalhada que morava em Bangu.
Quero um médico, que saiba de tudo e ainda mais um pouco: hipertensão, diabetes, coração, sarampo, catapora e unha encravada. Que entenda de “louco” e de “doença danada”. Que fale comigo olhando nos olhos, de uma maneira que eu acredite totalmente. Meio pai, meio padre, meio irmão.
Que tire a temperatura com aquele termômetro de vidro no sovaco, que examine a língua, escute o pulmão “33...33...33...33...”
Quero um médico, que afague a minha cabeça, que olhe a minha garganta com aquela lanterninha, apalpe a minha barriga, meu fígado e meu baço.
Quero um médico que me dê um abraço e diga em alto e bom som: “Não se preocupe, você vai ficar bom”.
Quero um médico, que me aconselhe a parar de beber, de fumar, de jogar, de andar com muitas mulheres. Que me mande repousar, comer maçã e me diga: “Você vai ficar bom amanhã”.
Quero um médico, que examine as minhas vistas, repuxe as minhas pálpebras e diga: “Você está com um pouco de anemia. Precisa se alimentar melhor, comer beterraba, melancia. Vou te passar umas bolinhas”.
Quero um médico, que entenda de alopatia e homeopatia, de chá, ervas. Até de psicologia.
Quero um médico, que ouça meu coração: “tum tum tum tum”. Que faça um exame completo, do jeito que tem de ser. Como aprendeu na faculdade. Ficha completa, relatório detalhado. Que eu possa até tirar xerox. Que me explique tudo: “tim-tim-por-tim-tim”.
Que me prescreva uma receita bem comprida, com muitos remédios, escrita com aquelas canetas-tinteiro e letras que ninguém entende. E que ao sair, bata no meu ombro e diga convicto: “Você vai ficar curado. Vou te colocar nos trilhos.” E ainda completa religioso: “Deus te ajude, vou rezar por você, meu filho”.