Dores das perdas
Dores das perdas
Por Carlos Santiago*
O canto do galo anunciando um novo dia não acontece. Nunca o futuro foi tão incerto. O prenúncio de um novo dia vem por meio de sirenes de ambulância e de carros fúnebres, entrecortado por choros solitários e gritos de dores que ecoam por áreas nobres e pobres das cidades. Sentimentos de amor e de fraternidades são expostos e, também, guardados no peito e nas lembranças a cada anúncio de mortes. A pandemia tem levado um pouco de cada um de nós e da história de nossa terra.
Nessa pandemia muitos faleceram e outras pessoas queridas, infelizmente, terão o mesmo destino. Alguns tiveram reconhecimentos em vida. Receberam amor, afagos, perdões e conselhos. Amaram e foram amados. Deram e receberam o conforto e a amizade necessária para momento de felicidade familiar e profissional. Outros ou outras, nem tanto. Muitos partiram sem saber o quanto os amamos, o quanto eles foram importantes para nós e para cidade, o quanto eram maravilhosas as suas existências, o quanto o mundo ficaria mais triste e com poucas esperanças com suas ausências.
Há dois anos perdi um irmão, ainda jovem. A dor da despedida se misturava com a angústia de não ter dito a ele o quanto o amava, o admirava e da falta que ele faria na família. Jamais vou poder dizer o quanto deveríamos ficar mais próximos, convivendo de forma fraternal. Junto a essa saudade, outra saudade. Neste mesmo período, perdi minha mãezinha de leite. Uma mulher que me amava como filho, mas depois de adulto ficamos distante. Não consegui dizer a ela: obrigado meu amor.
Outra perda dolorosa. Há cerca de cinco anos, recebi com dor na alma a notícia do falecimento de uma pessoa que eu admirava e que também gostei muito. Mas, nunca disse isso a ela.
Eu gostava de está perto dela. Gostava de ficar olhando seu sorriso cativante, seu jeito irreverente, sua inteligência e a capacidade de ser afável com as pessoas. Loura, alta, elegante, bastante comunicativa e linda.
Era advogada, procuradora, assistente social e professora universitária. Tinha conhecimento diversificado, além de admiradora de poesias, contava histórias dos clássicos da literatura mundial como ninguém.
Certa vez ela me disse: “você, menino só irá me beijar quando souber o significado de um beijo pra uma mulher, como eu”. Eu estava com quase 30 anos de idade, ela uma mulher próxima de completar 50 anos. Com o tempo e, com as poesias de Fernando Pessoa e de Ferreira Gullar, desmontei as suas resistências.
Há 20 anos, não tínhamos mais contatos. Sempre que passava próximo da sua residência ficava com uma vontade de visitá-la. De contar-lhe um pouco da minha vida nos últimos anos: a compra da minha casa, as minhas profissões, os meus amores, as minhas decepções e...
Mas nunca arrumei tempo para visitá-la. Quando fiquei sabendo do seu falecimento senti profunda dor na alma. Dor, também, por não poder dizer mais a essa pessoa que ela foi muito importante na minha vida emocional e formação intelectual.
Pois bem. A pandemia tem mostrado o lado cruel da nossa existência. Mas indica que devemos amar e viver próximo de quem nos faz feliz. Todos merecem amor, todas as vidas importam, vamos aproveitar melhor a vida, buscar fraternidades, ouvir o canto do galo anunciando lindas manhãs.
Espero nunca mais deixar para depois pra dizer da gratidão e do amor que sinto por pessoas que foram e são importantes pra mim.
*Sociólogo, Analista Político, Advogado e Membro da Academia de Letras e Culturas da Amazônia - ALCAMA.