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O MENINO QUE QUERIA SER PÁSSARO
 
Luizinho estava há duas semanas internado no Hospital da Estefânia, em Lisboa. Tinha nove anos e havia sido diagnosticado com uma forte pneumonia, apresentava vários sintomas inerentes à COVID-19, pelo que o mantinham no hospital, em contínua vigilância. Criança muito empática e meiga, tinha na mãe, D. Adélia,  uma assistente dedicada e sempre presente. As duas enfermeiras que faziam serviço naquela ala dedicada aos doentes vítimas da pandemia, respectivamente a D. Rosália e a D. Susana, rodeavam-no de atenções e imenso carinho, ficavam fascinadas com a doçura do miúdo.
Luizinho gostava de desenhar, sobretudo pássaros. Apesar de ter um estilo incipiente, próprio da tenra idade, já dava uma ideia do que pretendia. A mãe tudo fazia para o alegrar, satisfazia as suas vontades, inclusive já lhe tinha comprado um canário e um periquito. Na véspera de ser internado no hospital, o pequeno abriu a gaiola onde estavam e ambos fugiram. A D. Adélia ralhou mas logo se arrependeu quando ouviu a justificação dele: 
- Mamã, eles têm asas porque nasceram para ser livres, não para estar presos. Eu também gostava de um dia ter asas e voar. 
A mãe respondeu-lhe que se fizesse muita questão e tivesse capacidades para tal, um dia poderia ser piloto de aviões…
O internamento continuou e Luizinho não dava sinais de estar a melhorar, inclusive só fizera um pequeno desenho, um rabisco inteligível, pois as forças faltaram-lhe, já não tinha firmeza na mão.
A mãe desesperava pois tinha um outro filho mais pequeno, o Nandinho, que ficara entregue aos cuidados da avó materna. Para poder estar com Luizinho, tinha entregue um atestado de assistência à família mas para além de receber muito menos, e o seu salário já si era pequeno, só a magra reforma da mãe dela dava algum contributo.
Veio o dia em que Luizinho piorou, as dificuldades respiratórias aumentaram e os médicos decidiram ligá-lo a um ventilador, controlando-lhe as funções vitais.
Passou-se uma semana e as notícias não eram animadoras… Um medicamento experimental que estava a ter algum sucesso trouxe-lhes esperanças… Mas após mais uma semana de tratamento, Luizinho entrou em coma e os médicos comunicaram a D. Adélia que só um milagre lhe poderia salvar o filho…
Ela chorou abraçada às duas enfermeiras que mais atenção davam ao filho, elas também muito emocionadas, lamentando que Deus, sempre tão misericordioso, não desse mostras de salvar o menino.
Dois dias depois, o infeliz desenlace aconteceu, o pequeno Luizinho morreu durante o sono. Elas olharam para o menino, sumido no meio de tubos, parecia ainda mais pequeno na também pequena cama de hospital.
D. Adélia chorava convulsivamente. Ela própria estava tão magra, com tão mau aspeto, que também parecia um cadáver. Já não comia há três dias, apenas bebia água. 
O corpo da infeliz criança foi levada para a morgue e a agência funerária comunicou à mãe que ainda não sabiam quando se poderia efetuar o funeral, pois a acumulação de óbitos provocou congestionamento para efeitos de cremação. E mais disseram, que na altura em que ele se concretizasse, a Lei determinava que somente cinco pessoas poderiam acompanhar o corpo,  nelas incluído o padre.
Quatro dias depois, o corpo foi levantado da câmara frigorífica onde se mantivera, dada a circunstância do tempo de óbito, e encerrado num pequeno caixão branco, com destino ao cemitério do Alto de S. João, sendo acompanhado por vários familiares e vizinhos, com o compromisso que apenas entrariam nas instalações do Crematório as cinco pessoas previamente indicadas.
Uma vez na sala das despedidas e sem grandes cerimónias, pois o pequeno esquife não poderia ser aberto, o padre proferiu algumas palavras de circunstância, adequadas à ocasião, e minutos depois o caixão desapareceu lentamente no tapete metálico deslizante, rumo ao forno onde seria cremado.
D. Adélia foi amparada por dois funcionários da agência funerária, desmaiou e foi sentada numa cadeira, devidamente segura. Bebeu pequenos goles de água  mas  permaneceu sem forças. Manteve-se ali, o tempo correu e os agentes funerários então prontificaram-se para a levar a casa.
- Deus vai ajudá-la a suportar a dor. Tenha fé! - disse um dos agentes funerários.
Também duas vizinhas a reconfortaram, ao mesmo tempo que asseguravam uma boleia para casa.

- Não acredito! Nada me vai preencher esta perda! - disse D. Adélia, subindo para a carreta funerária e olhando uma última vez para o Crematório, sobretudo para a chaminé que fumegava, alimentada pela queima do pequeno corpo do filho.

 




Nota do autor: Conto baseado em factos reais.




 
Ferreira Estêvão
Enviado por Ferreira Estêvão em 20/02/2021
Reeditado em 21/02/2021
Código do texto: T7189060
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