CONTOS DE CURIÓ
Contos de Curió
Um dia o vento estava fazendo redemoinho com a poeira da estrada, quando de repente deu pra enxergar alguém caminhando, com uma malinha na mão, em direção à cidade. Era uma poeira só!
Nem dá pra dizer há quanto tempo não chega um desconhecido aqui em Curió. O último foi um medico do Rio de Janeiro que teve o carro quebrado e pegou uma carona na anca do cavalo do Dito para conseguir um mecânico. Nem lembro como foi que resolveu o problema dele, pois aqui não temos carro e muito menos, mecânico de carro. Mas, esse estava chegando a pé. Olhei mais atentamente para ver se conhecia, mas não. A mala parecia pesada, e vinha grudada na mão direita. Já mais perto, vi que era um homem alto e magro. Esperei que se aproximasse:
— Boa tarde! Aqui é Curió?
— Sim, aqui é Curió. O senhor precisa de alguma coisa?
— Onde a gente pode posar aqui nesta cidade?
— Não tem não sinhô. Mas o Elisberto tem um quartinho que uma vez emprestou prum médico. Ele mora ali do lado do bar – apontou a casa caiada. O sinhô é medico também?
— Ahn? Médico? Não, não sou médico, não. Obrigado.
— Que pena. A gente tá precisando de médico aqui. Tem uma professora parindo em breve. O carro do senhor também quebrou lá na rodovia, é? Adianto que nós não temos mecânico, nem carro.
— Ah, não. Não estou de carro. Vim de ônibus até Messejana.
— E caminhou de Messejana até aqui, meu Deus!
— Não, eu tomei uma carona com um caminhão que vinha pra essas bandas, e cá estou.
— Mas chegou a pé, que eu vi, moço.
— O caminhão me deixou na rodovia, e eu vim caminhando de lá.
— É uma andada e tanto! O sinhô deve ter parado um pouco lá bar do Japonês. Todo mundo para lá pra refrescar. É que nunca ninguém veio caminhando lá da rodovia, o povo vem de montaria, é uma lonjura!
— Ah, parei sim, e tomei água, descansei bastante, e depois segui.
— Devia ter alugado um carro lá em Messajena. – Sondou o curiense.
— Pensei nisso, mas decidi vir como a maioria vem, dessa maneira conheceria a dificuldade de acesso. Agora vou lá falar com o Seu Felisberto.
— Ih, não chama de Felisberto que ele até morde, moço! O nome dele é Elisberto. Elis-ber-to, sem o Fê. Ele é meu irmão e é brabo pra danar!
— Já entendi. Vou chama-lo de Elisberto. Obrigado amigo.
— Ué, o senhor já me conhecia?
— Não, nunca vim aqui antes. Só fizemos muitas fotografias aéreas da cidade há uns três anos.
— Ah sei. Mas me chamou de amigo. Eu escuitei.
— De onde eu venho chamamos de amigo as pessoas que ajudam, mesmo sem conhecer a gente.
— Ah é? E de onde o senhor vem?
— De Terra Rica no Paraná.
— O senhor veio fazer o que aqui em Curió, moço. Paraná é longe demais. Pergunto por que aqui não tem nada além de nós.
— Vim falar com prefeito. Tenho uma boa proposta para ele.
O homem fez-se surpreso:
— O que? Falar do que? Que proposta?
— É um assunto comercial – respondeu de pronto o visitante.
— Que assunto pode ser? Se veio de tão longe é porque deve ser importante.
— É sim, é muito importante. - Disse e foi saindo - Obrigado pela ajuda.
— Se é importante, também deve de ser urgente também. O que é?
— Eu vou descansar um pouco, tomar um banho e amanhã vou até a prefeitura. Obrigado. – Tentou o visitante se desvencilhar.
— Amanhã o prefeito vai viajar logo cedinho pra Fortaleza, ele não vai dar expediente. Só volta na segunda que vem. De modo que o senhor tem que falar hoje. – Respondeu o curiense, já desconfiado de que coisa boa não era.
— Obrigado por mais essa valiosa informação, acho que então vou direto até a Prefeitura, depois falarei com o Elisberto.
— Acompanho o senhor. A Prefeitura é pra cá.
Caminharam lado a lado em silêncio. O curiense olhava o visitante de soslaio.
Ao chegarem:
— Fique à vontade seu Doutor. Pode abrir a porta e ir entrando, que aqui não tem recepcionista. Vamos entrando que eu entro com o senhor.
— Não tem precisão não. Eu entro sozinho. Sabe como é, trata-se de assunto particular.
— Ué, Prefeitura é lugar público. Aqui ninguém trata de assunto particular. E demais a mais eu tenho que entrar também, seu moço.
— Desculpe, meu amigo, mas prefiro falar a sós com o Prefeito – levantou a voz o visitante erguendo a mão em sinal de parada.
— Pois, pode falar. Eu mesmo sou o prefeito, ao seu dispor.
— Mas, como assim? O senhor é o prefeito? – Já atônito.
— Sou, sim senhor. Daqui sou prefeito há três mandatos, de Messejana, dois. Mas, vamos logo falando que aqui dentro faz um calor dos infernos! O que fez o senhor viajar do Paraná até Curió?
— Desculpe, mas ainda não sei o nome do senhor, prefeito.
— Que sabe, sabe. O senhor não ia sair de lá dos cafundós do Paraná para conversar com alguém que nem sabe o nome, não é mesmo? Gumercindo Prata, às suas ordens.
— Pois bem doutor Gumercindo...
— Não sou doutor de nada. Me chame de “Seu Prefeito” enquanto eu estiver no mandato. Isso basta.
— Pois bem, seu Prefeito...
— Tô aqui pensando... O senhor não me disse seu nome ainda. Não é médico, nem precisa de mecânico...
— Adalberto Junqueira, sou construtor no Paraná. Tenho uma empresa que constrói prédios altos e grandes galpões para indústria. Construímos condomínios fechados de alto padrão, e também grandes obras para o governo.
— Seu Adalberto, grande construtor, o que quer em Curió, uma cidade que mais parece uma vilinha do Paraná? Meu pessoal não conhece o Paraná, mas eu conheço bem. Um Estado grande e rico. Nós aqui só temos de valioso esta casa que chamamos de Prefeitura e o rio que passa à largo, uma belezura.
— Quero uma indicação da Prefeitura para aquisição de terras em Curió.
— Ah, é um investidor! E qual é a finalidade?
— Pretendo construir um bom hotel de frente para o rio, e pequenos núcleos de condomínios de férias, com lazer e muito verde, em breve o turismo chegará aqui e o comercio local terá finalmente oportunidade de crescer estrondosamente!
— Sei. Verde aquilo tudo já é, não precisamos de arquiteto nem de engenheiro para dizer que temos muita área verde por aqui.
— Mas, não é só isso, muita gente conhecerá Curió e se mudará para cá. Empresas montarão fábricas e escritórios nesta cidade...
— Sei.
— E o senhor, Seu Prefeito, será prefeito de uma cidade próspera e muito procurada pelos seus recônditos agradáveis e pela beleza natural naquele lado do rio.
— Sei. Lá é bonito mesmo! Mas, e o lado de cá?
— O lado de cá, infelizmente não oferece tanta beleza natural, nem nenhum ponto turístico. E naquela estrada de poeira que em breve será asfaltada, lá na entrada instalaremos um portal: CURIÓ. O que me diz? – Disse empolgado de braços abertos como se estivesse lendo um letreiro enorme.
— É, o seu discurso é bom, seu Junqueira. E tenho certeza de que pode mesmo construir tudo isso e transformar esta cidade. Tenho certeza disso...
O visitante tomou fôlego para nova investida:
— O senhor vai se orgulhar de Curió depois que nosso empreendimento finalizar as obras, Seu Prefeito. Serão casas de alto padrão, hotéis, urbanização, asfaltamento, e o mais importante será o aeroporto pequeno que imaginamos para vocês. Ao lado da Prefeitura já definimos um hospital e uma escola.
— Olha, acho que não dá pra alguém se orgulhar mais de um lugar, do que eu me orgulho desta cidade. Nasci aqui. Meus avós foram os primeiros moradores de Curió.
— Pois bem, vai se sentir satisfeito de ter feito parte da história do progresso deste lugar!
— Sabe de uma coisa Seu Junqueira? Temos aqui 841 habitantes, e já estou contando com a barriga da Dona Justa, professora de matemática. Essas 841 pessoas são meus amigos, e eleitores. Não preciso e nem nunca precisei dar nada pra eles que não fosse segurança de que uma coisa dessas jamais acontecesse aqui. Sabe o que este povo quer? Sossego. É uma gente honesta que só vendo! Eles trabalham muito, de sol a sol, e quando chegam em casa, depois do banho, muitos vão pro salão da capelinha jogar um carteado e conversar assuntos de família. Sim, quase todo mundo aqui é parente entre si. Somos uma cambada de irmãos, isso sim. De modo que nada acontece em Curió se não tiver apoio de todo mundo. Até as crianças, nossos futuros eleitores, dão opinião aqui na cidade, afinal o lugar vai ser administrado por eles, um dia.
O visitante estava perplexo:
— Mas, Seu Prefeito, ainda nem ouviu minha proposta para dizer “não”. Eu quero oferecer para o senhor...
— Já escuitei o suficiente. A conversa está acabada. A coisa melhor que o senhor pode me oferecer é um adeus. É melhor o senhor ir logo pro Elisberto porque ele não atende estranho depois que escurece. Ah, e amanhã cedo o carro da prefeitura vai deixar o senhor em Messejana. Vai ser um prazer, moço. – Disse e saiu da sala porque apesar de ser final de tarde, lá dentro estava um forno.... e, já estava na hora da janta.