Jacaré

11.12.2018

105

Aconteceu há mais de 20 anos. Foi com meus dois filhos, de sete e oito anos na época. Perigoso!

Frequentávamos a casa de praia da avó materna no litoral norte do estado de São Paulo, condomínio fechado, tranquilo, praia quase particular, ótimo para as crianças, com o mar calmo, sem grandes ondas: um paraíso.

Os meninos já sabiam nadar: o mais velho inclusive treinava natação no clube; o menor nadava bem, mas não gostava. Tinha dado a eles de presente naquele natal, máscaras, pés de pato e "snorkel" (aquele tubo para respirar com a cabeça dentro da água) para mergulharmos. Pois, havia nas laterais da praia - era curta não mais de quinhentos metros - pedras onde nadávamos em busca de peixes.

Uma vez o mais novo viu alguma coisa no fundo, levantou a cabeça da água e gritou: "Pai, tem uma aranha grande na água!" Mergulhamos e vimos uma pequena lagosta, a pegamos e levamos para ser cozida e comida no jantar - ele praticamente a comeu sozinho, como prêmio.

Havia também uma ilha em frente, bem próxima, a cerca de um quilômetro de distância no máximo, para a qual nadávamos, com uma prainha deserta, de onde víamos a nossa na sua totalidade. Era um grande desafio e a mãe não gostava que eu os levasse até lá, pois o mar poderia nos afogar, segundo ela. Nadávamos tranquilos, equipados com os pés de pato e as máscaras, o que facilitava a nossa travessia, sem perigo. Também, gostávamos de pegar "jacaré" - descer as ondas com o corpo como prancha - apostávamos corrida, uma farra que fazíamos, os três! A mãe falava que tinha em casa dois pré-adolescentes, os meninos, e um adolescente, eu!

Ao lado da nossa praia, havia outra mais selvagem, maior, com o mar bravio e de "tombo", afundava abruptamente, para aonde, às vezes, íamos os quatro em caminhada por trilha na mata que subia e descia o morro de divisa entre elas.

Nesse dia fomos os três somente - a mãe estava com preguiça e disse que não achava bom irmos sem ela, podia acontecer alguma molecagem. Uma premonição.

Subimos e descemos o morro, o dia estava ensolarado, esquentando, fim de maio, com as noites e manhãs mais frias, esfriando a água do mar. O céu limpo e anil, com uma pequena e fria brisa que batia em nossos rostos.

Chegamos à praia, estava totalmente vazia, areia limpa, mas grossa, mar com ondas mais fortes, espumoso, mostrando sua força e poder. Não nos amedrontou. A praia tinha cerca de um quilometro e meio entre suas extremidades, tendo ao seu final, do lado oposto em que estávamos um boteco que servia bebidas e alguns petiscos. Era longe de nós.

-Vamos entrar no mar, pai, pegar "jacaré", as ondas tão boas! - disse o mais velho.

- Eu não vou. A água tá fria! - retrucou o mais novo.

-Vamos entrar eu e teu irmão, e você fica aqui na beira da praia, tá, vai ser rapidinho - respondo.

-Tá bom! - fala meio emburrado; pelo visto queria seguir andando.

Entramos devagar, sentindo a água fria, o inclinar do fundo e as ondas vinham gordas e fortes. Furamos uma não muito grande, e o fundo começou a fugir dos meus pés. Ele já boiava, esperando para pegar um "jacaré", quando vem em nossa direção, uma vaga enorme, cavada, rápida, que furamos em demorado mergulho. Voltamos à tona e vi que a enorme onda nos puxara para mais fundo e mais longe da praia. Não dava mais pé. A água estava gelada. Meu filho se mantinha com o corpo deitado. Olhei para a praia e vi o mais novo na beirada do mar, olhando-nos com apreensão. Estávamos longe, atrás da arrebentação.

-Vamos nadar de lado, paralelo às ondas para tentar dar pé e sairmos, tá bom!

-Tá pai; tá bem fria a água.

- Vai na frente que eu te empurro, tá!

-Tá.

Começamos a nadar ao longo das ondas, atrás do seu quebrar, com as vagas nos ondulando no seu sobe e desce característico. Nadamos um bom tempo. Olhei para o outro na praia: nossa posição pouco mudava. Fiquei preocupado! O mar nos puxava. A água muito fria fatigava-nos e amortecia os músculos, que já me doíam. Meu filho parecia exausto, lábios arroxeando. A situação parecia se complicar. Não me desesperei. A calma era a melhor arma para enfrentar essa situação. Até então eu não tinha passado nenhuma aflição ou situação de perigo no mar, era nadador, mas não o desafiava, sabia que era traiçoeiro e que os que sabiam nadar normalmente se afogavam. Segui preocupado.

O menor, aflito na praia, gritava para nós, mas o barulho forte do mar impedia-nos de ouvir. Ele não sabia o que fazer, e então, começou a entrar no mar para tentar nos ajudar.

-Volta, volta, não entra não! Fica aí! - gritei desesperado. Ele entendeu e voltou, mas vi que estava apavorado - sentiu que algo não estava certo conosco.

Precisava ver em qual profundidade estávamos.

-Vou ver a fundura que estamos, você fica aí, tá!

-Tá pai.

Desço até o fundo e toco os pés nele, mais ou menos dois, dois metros e meio. Subo.

-Não vamos gastar energia à toa, não estamos muito no fundo. Vamos aproveitar o balanço das ondas e tentar chegar mais perto da arrebentação, tentar pegar um "jacaré", dar pé pra mim e saímos, certo!

Ele concorda, seus lábios estão azulados, boca tremendo de frio. Recomeçamos nossa nadada em direção às ondas que quebravam, ele na minha frente, corpo esticado na água, eu empurrando-o ao sabor das ondulações. Assim ficamos mais um bom tempo. Calculei em cerca de quinze a vinte minutos a duração dessa nossa batalha.

Então, olho para trás e vejo uma vaga enorme vindo, cavando a água, se formando - é a nossa chance!

- Venha, vamos pegar um "jacaré nela", fica esticado que vou te empurrar na onda que tá vindo e você vai embora pra praia.

Era gorda, um vagalhão enorme! Segurei-o pelas pernas até ela quase quebrar e o empurrei com todas as minhas forças: ele se foi, e eu em cambalhotas dentro da onda sentindo o seu enorme peso e força.

Voltei à superfície: dava pé. Fiquei aliviado! O mais velho estava há alguns metros a minha frente, largado na água, exaurido. Peguei-o e fui caminhando com ele, a reboque, na água até a praia. Joguei-me na areia com ele, exausto! O pequeno veio junto a mim, preocupado, abracei-o chorando surdamente. Ficamos deitados nós dois ofegantes e o pequeno ao meu lado. Os três se esquentando ao sol que batia forte, como três lagartos. Quietos por minutos, ouvindo o seu marulhar possante !

-Pensei que iam se afogar! - disse o pequeno com sua voz embargada. Abracei o seu corpo pequeno, estava quente do sol, gostosa sensação de conforto e acalento. Estava eu emocionado também, mas feliz pela vitória.

-Eu também querido! Não vamos contar nada do aconteceu aqui hoje para a sua mãe, ok! Senão, ela vai nos crucificar, dizer que sou um pai maluco, desmiolado, tá bom?

-Tá pai, mas você não é desmiolado não, salvou meu irmão! - completou o menor.

-E ainda peguei um "jacaré", né pai, vim com ele quase até a praia. Animal!" - exulta o maior, esquecendo já de tudo o que acontecera.

"Jacaré" salvador!

Venda do meu livro *VIM, VI E GOSTEI* :

MAGAZINE LUIZA (físico)

https://www.magazineluiza.com.br/livro-vim-vi-gostei-viseu/p/ka747j24he/li/coec/

AMAZON (físico e digital)

https://www.amazon.com.br/Vim-gostei-Fernando-Ceravolo-FIlho/dp/655674574X/ref=sr_1_1?__mk_pt_BR=%C3%85M%C3%85%C5%BD%C3%95%C3%91&dchild=1&keywords=9786556745749&qid=1610107259&s=books&sr=1-1

SUBMARINO (físico)

https://www.submarino.com.br/produto/2728986669/livro-vim-vi-gostei?pfm_carac=9786556745749&pfm_page=search&pfm_pos=grid&pfm_type=search_page

GOOGLE (digital)

https://play.google.com/store/books/details?id=A1kXEAAAQBAJ&gl=br

BARNES&NOBLE (digital)

https://www.barnesandnoble.

Fernando Ceravolo
Enviado por Fernando Ceravolo em 20/02/2021
Código do texto: T7188976
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2021. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.