SONHO OBSTRUÍDO, NÃO DESTRUÍDO

Era aquele dia uma quarta-feira de dezembro, o ano era 2012. Meus pais, logo pela manhã, trouxeram-me uma grande notícia, finalmente eu ganhara a bolsa de estudos tão desejada em uma escola técnica no Centro do Rio De Janeiro.

O trajeto era longo, mas pouco importava quanto tempo duraria para chegar e muito menos os transportes lotados que enfrentaria, eu, por fim, faria meu tão sonhado curso de edificações.

Jamais conseguirei esquecer o primeiro dia de aula. Todos estavam animados, rindo e criando expectativas de como seria essa nova etapa. Não demorou muito tempo para a turma se familiarizar, e menos ainda para eu me apaixonar...

"Muito prazer, me chamo Lucas." Lembro-me da sensação ao ouvir aquela voz angelical, mas de uma uma conotação totalmente maliciosa. Maliciosa, mas não vil. Sua beleza era inconfundível, parecia ter uma aura à sua volta, o que só atestava, para mim, sua natureza angélica. Tínhamos a mesma idade, quinze anos. Todavia, seu ar arrojado e olhar sonhador transmitia a sensação de uma idade muito superior. Sua conversa era madura, lábia, tinha de sobra; e foi por essa conversa que fui sendo enredada.

— "Luana, quer assistir a um filme na minha casa?"

Lucas fizera seu convite de forma tão sugestivamente despretensiosa que, agindo ingenuamente(e de fato eu era, muito) não me dei conta do que estaria por vir e prontamente respondi:

— Claro! Quando?

— Pode ser amanhã. — Disse Lucas, um tanto quanto entusiasmado.

— Por mim, tá ótimo! A qual filme assistiremos? — Respondi, com os olhos brilhando.

— Qualquer um, o que importa é passarmos um tempo juntos.

A sensação de estar apaixonada faz isto com as pessoas, nos faz cometer erros e fazer escolhas que podem mudar nossa vida por completo. Para sempre.

Atraso menstrual, enjoos e desejos estranhos passaram a fazer parte da minha rotina, quando liguei os pontos, já era tarde demais. Saí correndo em direção à farmácia e com minhas economias comprei o teste de gravidez. Meu mundo desmoronou. O visor exibia duas riscas azuis. Cara! como fui burra. Eu estava na melhor fase da minha vida, iniciando o segundo ano do ensino médio, cursava edificações... como pude deixar isso acontecer? Era a pergunta que incessantemente fazia a mim mesma. Sempre que pensava nisso me flagrava em lágrimas.

Dia mais, dia menos, fui para a escola muito triste e conversei com Lucas. Ele simplesmente disse:

— Eu não posso ser pai agora, sou muito novo, meus pais podem ajudar você a tirar.

Eu não acreditei no que ouvi. Não bastava estar grávida, ainda tinha que passar por essa humilhação. Abortar não era uma opção, eu só precisava do apoio dele. O rapaz carinhoso e educado que conheci parecia não existir mais.

O tempo foi passando e, por conseguinte, minha barriga foi crescendo. É difícil para uma adolescente grávida sair de casa e não ser alvo do julgamento alheio. Eu era motivo de piada em meu bairro e escola. As amigas que eu tinha afastaram-se de mim, nenhum parente queria que eu as influenciasse a fazer o mesmo.

Os únicos que não saíram do meu lado foram meus pais, eles ficaram desapontados comigo, porém, família é a base de tudo e com ela qualquer coisa é superada. Meu pai convenceu um conhecido a me contratar para trabalhar na lanchonete dele, era um emprego sem carteira assinada e o salário dependia do fluxo de clientes, contudo era o suficiente para ajudar um pouco com as despesas de casa.

Infelizmente, estudar não era mais uma prioridade para mim. Frequentar o colégio me adoecia. O jeito que me olhavam, os comentários... aquilo tudo me destruía.

Engravidar na adolescência foi bem complicado, e desistir dos meus estudos ainda mais. Mas foi necessário. Eu tinha uma escolha a fazer: abortava e carregava para sempre sobre mim a culpa de haver tirado a vida de alguém em prol da minha, para seguir meus sonhos, prosseguindo meus estudos; ou teria minha filha e toda vez que a olhasse sentisse, também, culpa, mas uma culpa que, diferente da que carregaria com o fardo da primeira opção, seria, se não esquecida, suprimida com o tempo e com amor - e eu a amo mais que tudo em minha vida. Para mim, ficaria impossível, à época, conciliar estudo, trabalho e cuidar de um bebê. Além de tudo, a pressão psicológica que sofria era quase insustentável, recaía sobre mim como um monte. Não obstante tudo o que minha escolha englobaria, optei pela segunda opção e decidi ter minha filha.

Atualmente, tenho vinte e três anos. Ainda hoje, lido com o preconceito de ser mãe solteira, afinal, o pai assumiu a criança, mas ele só contribui com uma pensão. Pretendo voltar aos estudos, pois, no fim das contas, ainda carrego meus sonhos comigo. Até então, tenho um forte desejo de ver meu nome nos anais de alguma construção, a vontade de ser uma engenheira permanece em mim. Carrego comigo, também, a clara noção de que terei de postergar um pouco mais meus sonhos, dado que Isabela, minha pequena princesa, carece de sua mãe.

Victor de Araujo
Enviado por Victor de Araujo em 16/02/2021
Código do texto: T7186026
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