Conto das terças-feiras – O Space foi para o espaço
Gilberto Carvalho Pereira – Fortaleza, CE, 16 de fevereiro de 2021
O macaco-de-cheiro-comum (Saimiri sciureus L.), também chamado boca-preta, jurupari e jurupixuna, é uma espécie de pequeno macaco de hábitos diurnos, medindo cerca de 30 cm de comprimento, natural da região amazônica. Tais macacos possuem as partes superiores cinza-oliváceas, com o alto da cabeça negro ou cinza, focinho negro e região ao redor dos olhos branca. A espécie também é capturada extensivamente para o comércio como animal de estimação e para a pesquisa médica. (Wikipédia).
Em uma das suas visitas a nós, meu pai conseguiu comprar um exemplar dessa espécie de macaco, em plena calçada da Av. Presidente Vargas, em Belém do Pará, um dos principais logradouros da cidade. Por ocasião dessa visita (1985), elei desconhecia completamente a proibição de sua venda e o fato de ser considerado animal em perigo de extinção. Eu também!
Quando o macaquinho chegou em casa, como presente de aniversário, meu filho ficou completamente alucinado, não sabia se chorava ou sorria, era apenas um garoto de 10 anos de idade. Recebeu o presente das mãos do avô e já foi preparar um cantinho para o seu mais novo amiguinho, justamente no seu quarto. Minha recomendação era para que tomasse cuidado, porque o bichinho, ainda bem jovem, era arisco e a adaptação fora do seu ambiente familiar, um arborícola, seria complicada. Essa recomendação ele nem ouviu.
De volta à Fortaleza, o avô sempre telefonava para o neto, pedindo notícias do macaquinho, que recebera o “Space”. Com satisfação ele respondia as perguntas de meu pai, sempre informando que o animalzinho estava ótimo, saudável e já havia deixado de beber leite, só comia frutas e castanhas. O avô se deliciava com essas observações.
Onde estava o menino lá estava o Space, à noite deixava a sua caixinha de dormir e deitava-se na cama do garoto. Era bonito ver a amizade entre os dois. Quando sentia falta do companheiro, o pequeno primata soltava grunhidos fortes e ficava zangado. Certo dia o meu filho levou o animalzinho dentro de sua pasta para a escola. Foi uma festa! Só fomos saber quando sua professora telefonou para nossa casa, solicitando que fôssemos apanhar o pequeno animal. Por mais que falássemos sobre não ser correta essa dedicação constante e excessiva, o garoto não largava mão do animalzinho.
Em uma noite de São João, a cidade toda enfeitada para a celebração da data de nascimento do santo que batizara Jesus, fogos pipocavam por todos os lados. A cada espocar de uma saraivada de fogos de artifício, o bichinho ficava desesperado, corria pela casa toda, procurando um lugar seguro para se esconder. Quando viu a geladeira e o espaço que ela guardava entre a parede e sua estrutura de ferro, o bicho pequenino não teve dúvida, foi lá abrigar-se. Não adiantou chamamento para que Space saísse. Conformado que o amiguinho estava bem o menino tentou dormir, depois de não mais ouvir o pipocar dos fogos.
Ainda de madrugada, percebendo que o Space não se movia, o garoto meteu a mão por detrás da geladeira, sacou o animalzinho, percebendo que ele estava morto. Com ele nos braços e chorando muito, o menino entrou em meu quarto:
— Pai, o Space morreu, acho que ele tomou um choque na geladeira.
Assustado por ter sido acordado com alguém falando em morte, caí da cama sem entender bulhufas. Felizmente nada me aconteceu e, refeito da queda, foi possível perceber o que havia acontecido. Não conseguindo acalmá-lo tomei o macaco de suas mãos e falei:
— Temos que enterrá-lo, e já, antes que comece a exalar mau cheiro.
O desespero tomou conta do garoto, quase não consegui tirar o Space de suas mãos. Peguei uma caixa de sapato, acomodei o cadáver nela, cobrindo com um pano e coloquei sobre o conjunto uma tampa. Ele pediu que rezássemos para alma do seu amiguinho de estimação. Pela manhã nos dirigimos à estrada de Coaraci e, em um terreno baldio, fizemos o enterro, sem antes recomendar, a pedido, o corpo daquele que por algum tempo foi a alegria de meu filho.