SUTILEZAS AGRESTES

João Leôncio Denis parou próximo ao olho d’água, agachou-se ao lado de uma levada e ficou observando as folhas que deslizavam sobre a água corrente e concentrou-se numa que ficou presa nas raízes de um buritizeiro. Com um pequeno graveto aproximou-o da água e antes de livra-la das raízes, sorriu ao perceber em cima da folha, uma formiga que parecia se divertir, surfando na folha pela correnteza da levada. Com um leve toque fez a folha seguir o curso da água observando atentamente a formiga equilibrando-se na folha. Seguiu caminhando pelo brejo até onde começava o canavial. Sentou-se num pequeno elevado do terreno e ficou a admirar aquela paisagem exuberante, calma, onde o único barulho que ouvia, era a algazarra das casacas nos pendões da cana-de açúcar e o canto do pássaro preto no alto do buritizeiro, o que dava ao local, um tom melódico e nostálgico.

No caminho de volta pra casa, veio passando entre as plantações de feijão, milho e mandioca, pisando na terra úmida e no ar um cheiro de mato. Época de fartura na roça. decidiu ainda passar pela casa de engenho e no caminho encontrou várias pessoas que, mesmo ele sendo ainda um adolescente, faziam questão de cumprimentá-lo. Já próximo do engenho, foi até onde eram jogados o bagaço da cana, depois da moagem no engenho. Embaixo de uma grande tamarindo encontrou uma rústica casinha construída com pequenas forquilhas de madeira cercadas por varas e coberta com o bagaço da cana. Agachou-se e entrou pela pequena abertura da casinha e logo veio na lembrança, as noites que havia dormido numa casinha como aquela com seus amigos de infância e que apesar do frio gelado da madrugada, passar a noite ao relento, sempre dava a sensação de aventura e liberdade.

Chegando em casa encontrou seu irmão sentado na calçada, momento em que seu pai saía na porta e sem dizer nenhuma palavra olhou pra eles, com um simples gesto de cabeça apontou o caminho do brejo. Era hora de abastecer a casa com a água fresquinha que vinham do olho d’água e corriam pelas levadas, entre as plantações.

Após o jantar era costume sentarem-se na calçada e esperar os vizinhos que vinham prosear um pouco enquanto chegava a hora de se recolherem. A lua cheia no céu estrelado era inspiração pra tantas histórias relatadas pelas visitantes e moradores da casa. Ali, todos dormiam cedo da noite, não só pelo fato de não existir ali energia elétrica, mas principalmente porque a lida no engenho de cana começava ainda no escuro da madrugada. Muitos ali, precisavam também acordar antes do sol.

Denis conferiu as horas no relógio, levantou-se do banco na praça guardando o celular no bolso e seguiu em direção à avenida. Tinha almoçado num restaurante próximo e ali ficou sentado, buscando na memória lembranças dos tempos de vivencias na zona rural. Esperou a hora do escritório de advocacia reabrir e entregar os documentos a pedido do patrão. Seguiu atravessando a avenida pela faixa de pedestre, quando alguém que parecia atrasado, esbarrou nele e numa resposta rápida, recebeu um aceno de mão e um pedido de desculpas apressado. Continuou pelas calçadas observando os grandes edifícios e as pessoas em seu ir e vir, atrás de seus afazeres, passando por ele, sem cumprimentá-lo. Chegou ao escritório, bateu suavemente na porta e entrou cumprimentando a todos com um boa tarde, logo respondido pelo chefe do setor e alguns funcionários, outros apenas levantaram a cabeça em direção a porta interessados em saber quem estava entrando ali.

Voltou a rua e continuou observando aquele mundo de concreto, onde tudo tinha seu lugar, organizados em quarteirões e voltou o pensamento para o banco na praça, quando relembrava as grandes propriedades divididas em pequenas roças que conhecera na infância. Eram realidades diferentes, no entanto, muito parecidos quando se comparava o pedaço de terreno de cada um. E tanto na roça, quanto nos grandes centros, algo os tornavam iguais. É que para algumas pessoas aqueles terrenos eram, terrenos sem chão.

Henrique Rodrigues Inhuma PI
Enviado por Henrique Rodrigues Inhuma PI em 14/02/2021
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