Fernanda

"Como eu queria conhecer Montevidéu.

É aqui perto, e custa mais barato do que viajar para Fortaleza, por exemplo. Talvez eu dê um pulo lá nas férias. Depois que todo esse caos passar, Ando sofrendo de ausência de movimento, talvez pelo tédio. Fato é: Tô precisando realmente viajar. Ando com a cabeça a mil com o trabalho e pensando muita bosta ultimamente" - disse Alexandre se olhando no espelho e dando o nó na gravata.

Perdido nas reflexões da vida, começou a desenrolar o seu novelo de pensamentos: "Acho que eu tenho que compor umas lembranças novas, conhecer gente diferente e lugares interessantes, aquela idéia de crescimento individual. Crescer, não mudar. Penso no meu melhor, me dedicando real a quem se importa comigo e o caminho é esse. No fundo, acho que somos todos esse emaranhado de idéias que tentam entrar em conjunção por determinado tempo, e quando acontece o desencontro, os pensamentos descasam e rola conflito e todas aquelas merdas que a gente grande já conhece: términos e rupturas – de todos os tipos.

Tenho que mochilar e tentar achar meu lugar, ou outro lugar pra mim.

Esse aqui não dá mais. Parece que tudo ao meu redor tem uma parte de você, e isso é bem bizarro por assim dizer. Porra, já faz quase um ano, e não te esqueço."

Seu nome era Fernanda, com F de filha da puta.

Quando ficava até mais tarde no trabalho, ela fazia questão de também ficar. Saíamos quase em horários iguais quando ela ficava até mais tarde, e quase sempre nos encontrávamos no elevador, que a essas horas já estava embalado ao som da “Voz do Brasil”, enquanto a caixa de metal vencia os andares abaixo e eu pensava no puta trânsito que ia pegar na ida pra casa, escuto alguém pensando mais alto do que deveria:

“-Ainda bem que não votei nesse arrombado”.

A voz calou quando eu olhei pra ela. Percebendo a situação constrangedora da menina emendei:

“Tá tudo em casa, o Sarney nunca fez meu tipo”.

Começamos a rir de tudo e ela se apresentou: “Prazer, Fernanda”.

Permitam-me umas observações se vamos realmente continuar, vou passando os detalhes ao longo do meu relato. Fazemos assim de uma vez só, como a vida.

— Fernanda devia ter 1,65; aquele tamanho certo de mulher. Tinha um par de coxas que nunca tinha reparado até então. Com a roupa do escritório ficava mais linda ainda. Puta que pariu.

“Vai pro G1?” - perguntei.

“Não, não… Portaria mesmo”.

Ali, eu tomei uma decisão que eu me arrependeria depois – ou não:

“Quer uma carona? Vou passar pela Presidente Vargas, se te adiantar…”

Ela me olhou por cima do óculos de aros finos, acenando que sim. Com um sorriso de canto de boca e… Que boca. Tinha uma pinta pequena do lado direito, que deixava o sorriso ainda mais faceiro e fez minhas pernas tremeram como vara verde.

Era o Rio dos anos 80, em pleno verão da lata. Com as coisas mais simples e mais complicadas ao mesmo tempo.

E no auge dos meus 40 eu pensava que: As vezes a vida te dá certas escolhas que não te permitem reflexão. Você só, tem que agir e ponto final. A gente vê bem isso nesses casos, e isso pode soar bem canalha: “Fodam-se as consequências”. A vida ensina essas coisas pra gente.

Fernanda sentou no banco do carona, e eu do lado do motorista ficava olhando todo aquele pedaço de mulher pelos espelhos do retrovisor. Íamos conversando por entre as músicas no som do carro e pegamos o engarrafamento de sempre na Lagoa. Lhe perguntei se teria problema de parar para comprar cigarros. Ela me pediu um isqueiro emprestado, acendi o do carro. O isqueiro saltou, ela acendeu o cigarro longo e disse que não tinha problema. Ela mesma estava pensando em tomar uma cerveja, emendou.

“Pois eu também quero. Se importa de beber uma com seu chefe? O trânsito hoje tá uma merda”, disse esse pobre infeliz que vos escreve.

"Se eu não precisar passar no RH depois disso, acho que não tem problema" - disse ela sorrindo com aquela boca maravilhosa e um sorriso que te faz atear fogo ao próprio corpo.

Como sexta feira era um péssimo dia para perder a carteira, deixei o carro na rua e paramos em um barzinho excelente, aqueles lugares aconchegantes. Ficava perto do trabalho em Botafogo e, no pior de tudo eu dormiria no escritório e pagava um táxi pra Fernanda.

Começava uma noite memorável.

E o começo,

Do meu fim.

Marcos Tinguah Vinicius
Enviado por Marcos Tinguah Vinicius em 14/02/2021
Código do texto: T7184333
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