Sons da Noite
13/09/2002
12/02/2021
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Despertou assustado na madrugada ainda. A noite seguia em seu silêncio sepulcral. Ele procurava por algum sinal de vida. Parecia-lhe estar em outro mundo.
De repente, um ruído começou a crescer bem ao fundo, um som característico que o inquietava sempre que o escutava: o “tic-tac” do seu relógio sobre o criado mudo, que ao lado de sua cama ia “tictacqueando” initerruptamente sem se preocupar em incomodar. Seguia em seu toar imperturbável. Que horas seriam? Duas, três, ou já quatro horas da manhã? Estava curioso, mas não queria ver o horário, pois poderia ser cedo e ter a noite toda ainda pela frente.
Ouve um carro passando pela rua. O som caminha fraco no início, aumentando até passar por seu prédio, morrendo depois com suas luzes caminhantes refletidas como sombras móveis no teto do seu quarto. Deixava a janela aberta, não gostava de se sentir sufocado.
-Quem sabe está começando a manhã, sendo esse o primeiro carro a acordar – pensa.
O “tic-tac” segue firme e forte, impassível. Ele de olhos fixos no teto do seu dormitório, torcia para que amanhecesse logo. Queria ouvir os sons que acordam a cidade, tais como os ônibus; os passos e as conversas das pessoas; o abrir da porta de enrolar da padaria; os aviões decolando ou pousando; mais carros; os pássaros, que bem antes de todos, acordam a cidade, com o cantar dos Sabiás, Bem-te-Vis, Sanhaços e Pardais em sua maioria. Uma bela sinfonia que ele escuta com frequência, pois em frente ao seu edifício, há uma enorme e magnífica árvore frondosa, na qual esses pequenos cantores desatam em uníssono seus sons, tornando as manhãs mais alegres. Não os ouvia ainda, só o silêncio imperava quieto.
O carro sumiu engolido pela escuridão. Volta o “tic-tac” em solo único. Virou-se de lado na cama. Via a janela aberta com a luz difusa e amarelada da iluminação pública colorindo as paredes do prédio em frente, todo apagado, e ao fundo, o céu escuro e firme. Quieto!
-É, deve ser o começo da madrugada, tem muita noite a dormir ainda.
Então, apruma os ouvidos levantando um pouco seu tronco do travesseiro, para melhor ouvir o que parecia ser o zunir fino e enervante de um pernilongo.
-Não acredito! Agora vou brigar com esse danado, vai me atazanar o resto da noite.
Ele vem crescendo em sua direção. Prepara-se para a batalha. Aguarda-o todo coberto para dar-lhe um tapa assim que passar perto de sua cabeça ou nariz especificamente, pois eles ou elas – é a fêmea que morde – são atraídos pelo gás carbônico que expelimos.
O som cresce e ele fica todo coberto e enrijecido, enquanto o inseto passa perto da sua orelha direita, na qual acerta um forte tapa para matá-lo, deixando-a zunindo também. O som do seu ouvido vai voltando ao normal e o ruído fino e enervante da “pernilonga” segue ecoando pelo quarto em busca do seu sangue. Irritante!
-Vamos passar a noite assim como gato e rato, né, seu inseto safado!
Levantou-se da cama para acender a luz do dormitório. Pois, sabe que os pernilongos não gostam de claridade e pousam em algum lugar. Começa então a procurar pelas paredes, móveis, armários, por todo o ambiente para encontrar o danado do inseto. Está obstinado e raivoso, louco para pegá-lo. O “tic-tac” não o incomodava mais, estava esquecido no correr do seu tempo. Agora seu inimigo era esse pernilongo.
Vê-o pousado na parede branca. Vai até ele com cuidado, mas erra o golpe para amassá-lo, porque está sem seus óculos. O inseto sai voando calmamente pelo quarto, escondendo-se aleatoriamente nas penumbras das sombras ou escuros dos móveis.
Nessa caçada sem resultado, a noite vai passando, então escuta o piar de um sabiá, depois outro, um carro passando, vozes e passos na rua. O dia estava acordando.
-Não acredito! Batalhei a noite toda contra esse inseto e nem percebi que o dia amanhecia.
De relance, vê a sanguessuga pousada em seu travesseiro, vai pé ante pé e a abate com um só tapa, ficando o inseto amassado na fronha.
-Consegui! Agora vou dormir um pouco, pois essa noite foi pesada.
Os sons do dia começaram a se avolumar, acalmando-o. Ajeitou-se na cama feliz e com um sorriso nos lábios começou a cochilar. Ao fundo, quase mudo, o som do “tic-tac” seguia imperturbável. Ele, roncava.
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