O velho pescador
Um velho pescador, que morava na beira de um rio, com sua esposa e com seu filho adolescente, criava um cachorro para afugentar os animais silvestres dos arredores de sua casa. Falcão era o seu nome. Apesar de existir muita onça na região, não tinha nenhum bicho capaz de chegar perto da casa do velho pescador porque Falcão colocava todos para correr, dia e noite, noite e dia.
Falcão era um cachorro sem raça, um exímio vira-lata bom de caça, capaz de farejar um animal a quilômetros de distância. Um dia, ele muito cansado de correr atrás de uma onça pintada, aproximou-se do rio para beber um gole de água. Quando colocou as patas dianteira dentro do rio foi lançado por uma sucuri. O filho do pescador vendo aquela cena, correu para chamar o seu pai.
O velho pescador chegou rápido na beira do rio. Diante daquela cena dantesca, o cachorro lutando para se manter vivo, e a sucuri lutando para conseguir a sua refeição do dia, o velho pescador não pensou duas vezes, jogou-se no rio para salvar o seu cão de estimação e de proteção familiar.
Naquela luta de vida e de morte entre o cão e a sucuri, o homem levou a melhor. Conseguiu salvar o seu cachorro Falcão do laço da morte, mas não conseguiu salvá-lo por inteiro. Antes de largar o Falcão, a sucuri quebrou-lhe duas costelas e as patas dianteiras. Todos ficaram apavorados.
Ao saber do ocorrido, seus vizinhos vieram visitá-lo. – Conte-nos o que aconteceu para que possamos ajudá-lo a capturar essa onça – eles disseram solidariamente. – Não foi uma onça, foi uma sucuri – disse o velho pescador calmamente. – Não existe sucuri nesse rio, só existe onça nessas matas. – Não foi isso que vimos hoje - retrucou o velho pescador.
No dia seguinte, chegou em sua casa um oficial de polícia à mando do Governador do Estado para que todos os moradores da região abandonassem suas casas. E como prova de que falava a verdade, apresentou uma lista com o nome de várias pessoas desaparecidas. – O governador não quer mais perder nenhum de seus eleitores – concluiu o oficial.
Depois de ouvir atentamente o que o policial falava, o velho pescador disse calmamente: – Não foram as onças que mataram essas pessoas, e sim a sucuri que mora nesse rio. – O que o senhor está me dizendo? – Sim, é isso mesmo. Outro dia ela quase manta o meu cachorro. Olha o que ela fez com ele – dize-lhe mostrando o Falcão. – Tadinho, se não fosse o papai ele teria morrido – disse o filho do velho pescador com os olhos cheios de lágrimas.
Enquanto o oficial olhava os ferimentos no cachorro, a mulher do velho pescador lhe disse: - É isso mesmo que o senhor está vendo. Isso não foi onça não, foi a sucuri. – E como o senhor conseguiu tirar esse cachorro do laço da sucuri? – Ora, fazendo o que eu mais sei fazer nessa vida, pescar. – Como assim, pescar? Não me venha dizer que o senhor já pescou uma sucuri? Ou o senhor está querendo me dizer que foi a sucuri que matou todas essas pessoas?
- Foi – respondeu o velho pescador. Se o senhor não está acreditando em mim, eu posso lhe provar. Venha ver se o que eu estou dizendo é verdade ou mentira. – Como assim? – indagou abismado o oficial de justiça. – Veja – disse o velho pescador.
Então ele pegou um pedaço de madeira que estava no chão e afugentou um porco do vizinho que insistia invadir o seu terreno rumo ao rio. O cachorro Falcão, pulando só com as duas patas traseiras, parecendo um canguru, encarregou-se de fazer a parte surja do serviço. Quando o porco caiu na água a sucuri veio ao seu encontro e deu-lhe um abraço da morte.
Enquanto o porco era devorado pela sucuri, o velho pescador disse ao oficial de polícia: - Foi isso que aconteceu com todos essas pessoas. Elas foram mortas pela sucuri. – Meu Deus! - Senhor oficial, hoje eu já aprendi a conviver com todos os bichos e insetos desse lugar. Por isso, eu não vou sair da minha terra. Eu não vou largar o lugar onde eu sou feliz.
Vendo que o velho pescador tinha desvendado aquele mistério, e que o Governador tinha desistido de retirar os moradores da região, os vizinhos foram até a sua casa para agradecê-lo: - Que bom que o senhor conseguiu convencer o Governador a não nos expulsar de nossas terras – disseram-lhe.
O velho pescador olhou-os e, com um leve sorriso no rosto disse-lhes suavemente: - A vida é uma grande pescaria, estejam preparados para quando o Grande Arquiteto do Universo lhes transformarem em isca!