A Valsa ao amanhecer.


O momento era de glória, conquista, por isso passava em sua mente um filme de cada desafio, cada noite mal dormida de preocupação com as provas que ao longo daquela jornada de seis anos da faculdade teve que passar.
Lembrou do início da caminhada quando precisou de muito esforço para conseguir vencer seus medos.
Árduo foi o primeiro dia da aula de anatomia, em meio aos corpos dos indigentes que nobremente serviam para a ciência e dissecção para o aprendizado.
O cheiro forte do formol, que inicialmente causava náusea, e que somente após algumas aulas é que tornou-se algo aceitável de ser feito. 
Verdade é que para se atingir objetivos é preciso também ter sorte com  amizades que o levariam a vencer as batalhas que teve que enfrentar ao longo daqueles transformadores anos.
Difícil dizer o que acontece se a pessoa que possui boa índole é que atrai  pessoas do bem, ou se a vida é aleatória e por pura sorte esses felizes encontros ocorrem.
Verdade seja dita, estava sempre ao lado dos melhores alunos , mesmo não se sentindo tão brilhante em sua trajetória.
Exceção foi o dia da temida prova de fisiologia quando surpreendentemente foi acima da média com uma questão em que o próprio aluno sugeria a pergunta fazendo assim uma resposta criativa.

Foi quando teve um momento iluminado simulando um experimento em cima de um fato que havia ocorrido quando a seleção Brasileira foi disputar um jogo nas eliminatórias da Copa do Mundo na altitude de La Paz, na Bolívia.

Foi perfeito em sua análise dos motivos e efeitos da altitude nos atletas, sendo elogiado pela mestra, tão exigente.
Certo é que aquele tipo de prova o salvou, veio ao encontro ao que havia estudado efetivamente da matéria, e ter acompanhado a análise das notícias ligadas ao futebol.
A partir desse momento, foi observado com outro olhar o que contribuiu para valorizar sua auto estima.
Foram muitos momentos de apreensão ao longo dos percalços , até uma síndrome do pânico foi preciso vencer, na crise da transição da vida na sala de aula com o início da visita as enfermarias, quando junto com o orgulho de vestir o branco, também teve o impacto da certeza que por mais que se saiba, existem doenças que a função do médico é apenas de aliviar o sofrimento, pois a evolução pode ser fatal.
Entendeu pagando um preço, que a medicina não cura sempre, e quando se diz "apenas" cuidados paliativos, na realidade é algo fundamental, pois abrandar a dor de alguém que padece de uma patologia incurável representa muitas vezes o melhor que se pode fazer,  em muitos momentos. 
Sentiu a frustração de ver que mesmo diante do avanço da medicina, nem sempre é possível  salvar a vida do paciente.
Fato que só com o tempo é que um médico, que também dotado de sentimento, pode aprender a aceitar.
Conviver com  perdas não é nada fácil, e perder pessoas, ainda é mais doloroso.
A diferença de ser médico para muitas profissões é que antes de tudo a relação com o ser humano, apesar de tanta evolução tecnológica, ainda faz toda diferença, independente do desfecho que possa ocorrer.
Ao superar essa fase do choque de realidade do contraste do que o livro diz na teoria, e o que a experiência clínica traduz, já por si representa uma vitória.
Lembrou das lições do seu pai, que não havia lhe deixado heranças materiais, mas um importante ensinamento que lhe valeria pelo resto da vida, que é o respeito pelo ser humano, independente da raça, ou classe social.
Aquele instante era mágico, indecifrável, tendo uma ilusão de que aqueles momentos não eram reais, uma conquista do encerramento de um ciclo.
A noite de muita emoção chegou ao ápice, marcada com a Valsa ao amanhecer e nos cambaleantes passos, parecia flutuar pela emoção do momento.
Tanto que definiu de forma poética essa DANÇA:

-Nos seus passos fui
acompanhei,
alguns momentos dominado
em outros?

dominei.

Em sua cintura,
segredos

desvendei
na cadência do compasso perfeito.

A cada ritmo
novos caminhos
descobertos.

Nessa VALSA

em suaves movimentos,
nos seus passos
(conciliando medicina e poesia) 
pela vida,
fui.
E nunca mais voltei...