O Vestido Roxo
Era um vestido roxo, ou lilás, estilo chemisier, de uma seda transparente, que ficava guardado bem no fundo do guarda roupa.
Ela não o usava há pelo menos 40 e tantos anos, mas o guardava como uma relíquia. E realmente lhe era muito precioso, pois foi confeccionado com muito amor, por sua irmã, já falecida. O tecido havia ganho de seu chefe que trouxe de presente de uma de suas viagens. Por esses motivos tinha sido escolhido por ela para a ocasião do seu ¨Gran Finalle¨. Queria se apresentar bonita para São Pedro, embora ele talvez reclamasse da transparência do vestido, pois a ocasião pedia mais recato.
Apesar de não gostar de falar da morte, como se ao não falar pudesse a ignorar, criou coragem e falou para sua filha da sua escolha. Talvez a cor também tenha determinado tal escolha, pois era uma volta à infância, quando frequentava a Igreja assiduamente com sua mãe e via os santos todos cobertos de roxo, na semana santa, e isso lhe parecia misterioso e deslumbrante.
Um belo dia, resolve se desfazer de algumas roupas e ao olhar para seu
vestido, resolve experimentá-lo. Não que pretendesse usá-lo tão cedo,
já estava com 74 anos, mas amava a vida e achava que ainda precisava
aprender mais, crescer, conhecer e conhecer-se. Enfim, coloca a sua preciosidade, e para sua surpresa já não serve, não consegue fechá-lo e ri sozinha... ri como se este fato a estivesse livrando da morte, como se
sua vida fosse continuar indefinidamente...
Se desfaz do vestido, mas não escolhe nenhuma outra roupa, porque quando chegar o dia da partida, talvez fosse melhor ir apenas coberta de flores, retornar da mesma maneira que chegamos. Na bagagem apenas
nossa gratidão pelo muito que recebemos e pelo bem que talvez tenhamos tido a oportunidade de fazer, como também nosso pedido de perdão pelo mal que porventura causamos. Carregamos conosco o bem
e o mal, a luz e a sombra, mas temos o grande poder de decidir... que
consigamos ter sabedoria para escolher o bem.