A menina do espelho

Acordara bem cedo naquela manhã. A cortina branca que cobria a janela não tinha força suficiente para barrar o brilho do sol que estava especialmente forte.

Levantou, não muito animada e atravessou o quarto indo em direção a porta do lado oposto da cama que estava. Com os pés descalços, cambaleava como alguém um pouco embriagado. De fato, estava embriagada pelo sono.

Atravessou a porta e foi até o banheiro onde um grande e majestoso espelho aguardava para refletir a bela imagem de fracasso e bagunça que estava naquela manhã.

Ela se olhou e não gostou do que viu, na verdade, há muito ela não se agradava da menina do espelho.

Alta, magrela, cheia de sardas no rosto e um cabelo já sem brilho e vida. Como odiava encarar aquela imagem. Era torturante.

Mas a menina lhe chamava, pedia para ser encarada, porém, ela usava todas as suas forças e assim resistia. Não iria se torturar logo cedo, pensava.

Escovou os dentes, lavou o rosto e prendeu o cabelo em um coque alto, saiu do banheiro e voltou para o quarto, deitou-se novamente e fechou os olhos.

Tentou se lembrar do porque de todo aquele drama pessoal, porque tinha tanta dificuldade de se encarar no espelho. Deu um salto e voltou correndo para o banheiro.

Ei.- ela disse para a menina do espelho- por que insiste em me fazer tão mal? por que me odeia tanto?

Não obteve resposta.

Encarou a imagem refletida e sentiu que algo começou a molhar as pequenas constelações que havia em seu rosto.

Então, ela ouviu um sussurro vindo do espelho. Coração parou, a boca secou. Estou louca, pensou.

Eu não te odeio - a voz calma e tranquila falou do outro lado do espelho- porque eu odiaria a mim mesma? Mas você sim, você não suporta nos olhar. Tem medo, vergonha.

Ela engoliu seco, como seu próprio reflexo acabará de falar?

Encarou-se, e num súbito de coragem passou a mão no seu rosto e tocou as sardas que tanto odiava, logo em seguida soltou os longos cabelos ruivos e pôs-se a chorar. Chorou por horas e quando a cabeça começou a doer, enxugou as lágrimas, abraçou a si mesma e prometeu a menina do espelho que jamais a odiaria.

Entrou para o chuveiro e prometeu que aquela água que caia sobre si tiraria muito mais que suor, lavaria frustração, medo, traumas, dores e o principal, a ausência de amor próprio e segurança.

E assim foi.

Graziele Gonçalves
Enviado por Graziele Gonçalves em 07/02/2021
Código do texto: T7178962
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