Ler é Caminhar para a Luz
27/01/2021
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Ler é caminhar para a Luz.
Essa frase falava meu pai incentivando-me a ler quando era garoto. Ele pouco leu, não teve motivação familiar e oportunidade em sua infância, mas sabia que eu deveria ser estimulado a ir a busca de conhecimento através dos livros. Sou-lhe grato por esse estímulo.
Abracei a ideia com afinco e curiosidade, pois sempre me comprava livros bons, como por exemplo, toda a coleção de Júlio Verne em edição francesa traduzida, que li vorazmente com a imaginação solta e livre, viajando por suas aventuras mirabolantes e futuristas. Era uma “delícia” a leitura, ajudou-me a desenvolver a imaginação. Sempre fui imaginativo e criativo, e essas qualidades, quando menino, faziam-me a criar estórias quando causava algo errado e não queria ser castigado.
Assim, fui ao longo vida apaixonando-me por vários escritores, por uns mais, por outros menos. Cito alguns de maior importância para mim: Júlio Verne, Machado de Assis, Guimarães Rosa, Aníbal Machado, Ítalo Calvino, Érico Verissimo, Eça de Queiros, Ruben Alves, Jack London, Hemingway, Agatha Christie, Moacyr Scliar, Fernando Sabino, Garcia Márquez, Albert Camus. Outros houve, mas a paixão foi mais efêmera, durou algum ou alguns livros somente. Mas todos me inundaram e contaminaram com suas histórias, fossem aventuras, dramas, romances, suspense ou ficção. Enfim, forjaram e condensaram a bagagem literária guardada permanentemente em meu cérebro. Agora aposentado, resgato-a das várias caixinhas em que hibernou todo esse tempo, para poder escrever os meus textos. Meu cabedal de conhecimento.
Hoje, relendo Albert Camus, e talvez, por estar mais vivido, a sua escrita mostra-me uma poética lírica maravilhosa. Antes, o lia avidamente sem perceber essa sua inebriante e bela qualidade. As palavras que compõem as suas frases são leves e cuidadosas, fazendo-me sentir a plenitude das cores, dos cheiros, do vento e dos barulhos dos locais que descreve de sua terra natal, com muito amor, a Argélia. Os textos são pura poesia.
O seu livro que agora me encanta é “Núpcias, O Verão”, em que descreve a sua estada em alguns lugares da costa argelina, como Tipasa, descrito no texto “Núpcias em Tipasa”.
Não posso deixar de copiar alguns trechos dele. É inevitável não querer compartilhá-los, por sua beleza primorosa. Ele começa assim:
“Na primavera, Tipasa é habitada pelos deuses e os deuses falam do
sol, no odor dos absintos, no mar revestido por uma couraça prata,
no céu inclemente, nas ruínas cobertas de flores e na luz que jorra
aos borbotões por entre as pedras amontoadas.”
É belíssima e sublime a descrição, com a beleza das palavras relatando a beleza da natureza que lhe envolvia.
Seguindo:
“Os olhos tentam inutilmente perceber outra coisa que não sejam as
gotas de luz que tremem na beira dos cílios.”
Dá-nos inveja de como usava as palavras, tenho a confessar. Empolgado pela releitura, fui ao final do livro em que há o resumo de sua obra e existência.
Resumindo:
“Nasceu em 1913 em Mondovi na Argélia; perdeu o pai cedo na guerra
de 1918; mudou com a família para a capital, Argel, onde viveram em
extrema penúria; formou-se em Letras, graças a uma bolsa de
estudos. Teve tuberculose jovem. Simpatizou-se com o partido
comunista; ingressou na carreira jornalística. Saiu obrigado do país
por suas critica a censura. Foi para a França, tornando-se secretário
de redação do “Paris Soir”. Foi da resistência francesa
na Segunda Guerra Mundial, editando o jornal “Combat”. Ganhou o
Nobel de Literatura em 1957.”
Foi profético também, pois disse: “Morreremos todos de morte violenta neste mundo de doidos”. E foi o que lhe aconteceu. Um acidente de carro em estrada francesa em 1960, o matou com 47 anos incompletos. Uma perda irreparável.
Lia o livro na praia, embaixo do guarda sol em um dia de calor tórrido e abafado. Pensava em suas descrições de Tipasa, que se assemelhavam muito a minha praia, bela e de mar anil, rodeada de montanhas densas de vegetação verdejante. Dizia, ou recitava em voz alta algumas frases que se encaixavam na paisagem que via:
“... descendo em direção aos primeiros rochedos, que o mar suga
com rumor de beijos!”
Olhava eu para o grande maciço rochoso ao final da enseada, mergulhando no mar, em que essa descrição poética no livro, ali se via da mesma forma. Fantástico!
“Sob o sol da manhã, uma grande felicidade balança no espaço.”
Sim, ela balançava com o vento fresco e leve da manhã, sob o rugir das ondas quebrando na orla, embevecendo-me totalmente de felicidade. Maravilhosa similitude.
“Feliz o vivente sobre a terra que viu essas coisas”.
Era o meu pleno sentimento naquele momento expressado por ele.
“Um debrum de mar por cima do qual o céu, como vela enfunada,
repousava toda a sua ternura.”
e,
“Aqui, compreendo o que se denomina glória: o direito de amar sem
medida!”
É a definição de plenitude do ser. Perfeito! Fiquei lendo mais frases contemplando a beleza tranquila, livre e gratuita a minha frente, igual a que Camus declamava no texto. Estava em estado de leveza e prazer com tal magnitude poética em minhas mãos, degustando cada letra sua, parecendo que escrevera para mim.
Sim, ler Camus é caminhar para a luz.
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