Chama

05.12.2018

101

-Mamãe teve uma isquemia, desfaleceu, pensei que tivesse morrido; passei um susto danado. Mas tudo bem agora, está se recuperando depois que sua pressão baixou lá no Posto de Saúde, chegou a 20x10! O médico disse que se ela tiver outro ataque desses, não aguentará. Te chamou várias vezes, quer te ver! Se puder vir amanhã seria bom - recebi essa mensagem de minha irmã dias atrás! Fiquei gelado. É o tipo de notícia que se espera receber algum dia, já que minha mãe tem noventa e cinco anos e sua luz está se apagando, devagar.

A lei da vida e morte.

"Quer me ver, dar o seu último adeus e morrer!" Pensei. "Melhor aguardar um pouco mais a sua recuperação para ir. Tenho medo! Ela vai se recuperar como sempre; é forte apesar de estar se enfraquecendo, mas sei que vai sair dessa", tentava me consolar. Não queria aceitar essa dura realidade e que logo teria que enfrentar! Nunca aceitei a morte, e com a sua ida, ficarei, e talvez minha irmã também, sem o nosso esteio, pois ela fora sempre esse personagem nas nossas vidas. Respondi a sua mensagem que não poderia ir de imediato vê-la, tinha reunião importante na obra no dia seguinte.

Dia seguinte, falo com a mana:

-Está se recuperando devagar, mas quer te ver! Quando você pode vir? .

-Vou sexta. Acho melhor, não? Confirmo depois - quanto mais para frente empurrasse a minha ida e ela se recuperando, esse pressentimento iria se esvanecendo. Iria na sexta-feira, de qualquer jeito, com ou sem pressentimento, me decidi e enviei depois a confirmação.

Tive que ir até a cidade perto do local da obra que acompanhava na Serra da Mantiqueira, distante cerca de 30 km, sendo 10km em terra, estrada sinuosa, muitas curvas, do jeito que gosto, buscar materiais faltantes e necessários para o andamento dos trabalhos. Fui com a minha mãe na cabeça: "ela vai sair dessa, tenho certeza, ela sempre sai..." martelava meu cérebro. Chego à cidade, estaciono o carro, ando pela calçada da única avenida importante, a do comércio, e passo em frente a uma funerária: arrepio e aumento o passo! "Que coisa pesada! ". Bateu forte novamente, o duro pressentimento e o meu medo de ir vê-la.

Volto para a obra, trabalho os dois dias seguintes, sempre acompanhando a sua recuperação, a cada dia melhor, voltando devagar ao seu normal e me aguardando: já sabia que iria vê-la, e parece que isso a reanimou, segundo minha irmã. Fiquei um pouco mais feliz, mas o pressentimento seguia firme.

Lembrei-me, então, do que ocorrera com a senhora que morava junto com seu marido na nossa casa quando eu era menino, Dona Angelina e o "Gigio", seu marido - o Seu Luiz, que me cuidou por um bom período. Italiana alegre, brincalhona, querida e meiga, e tempos depois, já homem feito, casado e com uma empresa de engenharia construindo um galpão na sua cidade para um cliente de lá, procuro-a depois de anos sem vê-la. Vou à sua casa - meu cliente conhecia a sua família e me passou o endereço.

A reencontro: ela do seu jeito de sempre, fala mansa, arrastada, com sotaque ainda, me vê, se emociona e chora! Abraço-a emocionado também, carinhosamente. Conversamos bastante, tomamos café, lhe conto minha vida, sobre meus pequenos meninos - gostaria ela de conhecê-los - saber se eram iguais a mim, o "demônio" que fora na infância que ela acompanhou, enfim, revivemos os nossos bons momentos.

Uma semana depois desse nosso reencontro, meu amigo me dá a triste notícia de que ela morrera! Foi o seu adeus para mim.

Sexta feira, acordo cedo e inicio a viagem para ver minha mãe. Pego a estrada sinuosa, cruzo a cidade e na estrada principal, descendo a serra, vejo do lado esquerdo do carro, um pássaro voando paralelo. Reconheci seu voo: um tucano! "Mau agouro, eles, quando me aparecem, não é boa coisa não! " Volta forte o pressentimento ruim. Sigo em direção à cidade da minha irmã, também no interior do estado.

Com quase duas horas de viagem, me cruza a frente do carro outro tucano! "Não é possível! Outro! Que coisa incrível, dois tucanos no mesmo dia! Ou é muita sorte ou é muito azar. Seja o que Deus quiser! "

Chego e encontro minha irmã na cozinha, cuidando do almoço. Conversamos, ela me conta todo o ocorrido, seu susto e me diz:

-Está te esperando lá em cima, prontinha! Tomou banho, se aprontou para você! Sobe lá no quarto dela.

Meu coração se acelera. Subo as escadas até o seu quarto no andar superior da casa:

-Oi mãe, tudo bem com você!

-Oi, você veio, que bom! Estava com saudades, faz tempo hein? Dei um susto, não. Não lembro de nada.

-Pois é, mas já passou. Você sempre se recupera, não é mesmo!

-É, não foi dessa vez, ainda... Sou dura na queda - diz sorrindo para mim, com seu jeito brincalhão de sempre.

Ficamos os dois ali conversando, eu sentado na cama ao seu lado, abraçando seu corpo frágil e delicado, acariciando seu cabelo branco como neve. Muito querida, minha mãe! Segurava a minha mão e eu acariciava a sua, dando-lhe carinho, amor. O pressentimento ruim se ia...

Fomos para o almoço, ela desceu as escadas comigo, devagar, no seu passo e tempo. A conversa foi alegre, meu cunhado sempre brincando com ela, dizendo "que quase que São Pedro emitiu a sua passagem para o céu..."

- Pois é, não foi dessa vez, infelizmente. Sou dura na queda! - disse para ele. Rimos todos na mesa.

Continuamos a conversa por mais um tempo. Depois, se queixou de cansaço - queria subir para o seu quarto. Ia ter que me despedir dela. Meu coração acelerou novamente.

Subimos as escadas até seu quarto, sentou na cama, eu a abracei com carinho e lhe disse baixo junto ao seu ouvido:

- Mãe eu te amo! Tenha sempre esse meu sentimento no seu coração!

Ela me olhou meiga e cândida - emocionada: beijei a sua face macia e quente. Ficamos assim abraçados por alguns segundos.

- Quando você vem de novo? - perguntou.

Senti, pela sua questão, que mantinha ainda a vontade de viver. Sua chama, fraca, queimaria mais um pouco. Meu coração se acalmou. Os tucanos deram sorte. Não seria o nosso adeus!

- Logo Mãe, logo venho te ver de novo.

Venda do meu livro *VIM, VI E GOSTEI* :

MAGAZINE LUIZA (físico)

https://www.magazineluiza.com.br/livro-vim-vi-gostei-viseu/p/ka747j24he/li/coec/

AMAZON (físico e digital)

https://www.amazon.com.br/Vim-gostei-Fernando-Ceravolo-FIlho/dp/655674574X/ref=sr_1_1?__mk_pt_BR=%C3%85M%C3%85%C5%BD%C3%95%C3%91&dchild=1&keywords=9786556745749&qid=1610107259&s=books&sr=1-1

SUBMARINO (físico)

https://www.submarino.com.br/produto/2728986669/livro-vim-vi-gostei?pfm_carac=9786556745749&pfm_page=search&pfm_pos=grid&pfm_type=search_page

GOOGLE (digital)

https://play.google.com/store/books/details?id=A1kXEAAAQBAJ&gl=br

BARNES&NOBLE (digital)

https://www.barnesandnoble.

Fernando Ceravolo
Enviado por Fernando Ceravolo em 04/02/2021
Código do texto: T7176144
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2021. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.