CONTOS DO TEATRO HUMANO - A tragédia anunciada – O incêndio na Vila Rubim
Em 30 de junho de 1994, recebemos uma denúncia no Procon Estadual do Espírito Santo de uma senhora que relatou esteve na Vila Rubim para comprar fogos de artifício, mas ficou estarrecida com o que viu: Fogos colocados dentro de barras de concreto. Naquele mês estava passando os jogos da Copa do Mundo de 94.
No mesmo dia fomos ao local para inspecionar os fogos.
A primeira loja que visitamos foi a Sempre Rica. Nela o que nos chamou à atenção foi um televisor ligado em cima de uma pilha de fogos de artifício. O pior é que o fio estava descascado e solto sobre os fogos.
Ponderei sobre o perigo com o dono, contudo ele respondeu: - Doutor, não há perigo algum!
Constatamos que havia um perigo iminente no local, lavramos um Auto de Infração, proibindo a venda dos fogos até apuração final.
Naquele momento pudemos observar que nenhum dos produtos tinham normas técnicas.
O fato marcante daquele dia ocorreu na hora que estávamos lavrando o Auto de Infração. Pode até parecer bizarro, contudo, se deu assim: Quando olhei para os lados a procura de outras irregularidades, uma voz me veio a mente: “Alguma coisa vai acontecer aqui!” Olhei para uma das prateleiras e vi uma pequena estátua de um “Preto Velho”.
Deixamos o local interditado. Chegado ao Procon, aquela voz não saia de minha cabeça. Imediatamente, mandei oficiar o Corpo de Bombeiros, A Delegacia de Armas e Munições e até o Exército em Vila Velha.
No dia 6 de julho, por volta do meio dia, estava almoçando com um amigo no prédio A Gazeta, onde funcionava o Procon. Em questão de segundos ouvimos uma explosão e o prato subiu uns vinte centímetros da mesa para o alto. Ficamos parados até entender o que estava acontecendo. Naquele momento um estagiário nos trouxe a notícia que houve uma explosão no final da rua.
Prontamente, deixamos o local e fomos verificar o ocorrido.
Quando nos aproximamos da Vila Rubim, uma fumaça intensa nos atalhava de ver o que se passava. Naquele momento não abafei minhas lágrimas em pensar que poderia até impedir aquilo.
Voltei ao Procon e chamei mais três funcionários e fomos para o local. Quando conseguimos entrar a tristeza nos tocou intensamente.
Pelo chão haviam pessoas queimadas, outras mortas, outras ainda agonizando.
Fizemos o que estava ao nosso alcance: ajudamos o Corpo de Bombeiros a carregar pessoas para as ambulâncias.
Lá pelas cinco horas, voltamos para o Procon. Sentei em minha mesa e fiquei a pensar: O que mais fazer? Naquele momento a secretária me disse que tinha uma pessoa da Vila Rubim que gostaria de falar comigo. Mandei que entrasse. Para o meu espanto era o dono da loja que tínhamos interditado. Ele, com roupas rasgadas e todo ensanguentado me perguntou: Doutor! O senhor vai aplicar multa em nossa loja? Notei que o cidadão causador do descaso estava mais preocupado com uma MULTA em detrimento das vidas ceifadas.
Apenas respondi: Volte para a Vila Rubim e cuide de salvar o que restou das almas. Ele até saiu sorrindo. Enfim, essa coisa de ser racional para mim, não faz muito sentido.
Dias depois, fui ao local e vi intacto o “Preto Velho” em uma das prateleiras que ainda permaneceu no local após a explosão. Paguei dez reais no “Preto Velho”, e o guardo comigo como um protagonista, talvez, daquela tragédia anunciada pela voz: “Alguma coisa vai acontecer aqui!”
Fonte: A Gazeta 2-7-1994 - página 18