Sete Pulinhos

05.12.2018

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Estava sem a minha carteira de motorista. Perdera não sabia onde. Dei conta desse fato ao ir passar pela cancela do metrô: fui pegá-la para mostrar ao segurança que sou terceira idade - bendita seja, pelo menos não pago mais - e vi que estava sem ela. Uso-a como identidade. "Onde a deixei, onde? " - me perguntava rememorando minhas ações daquela manhã.

Voltei para casa e procurei por todos os cantos em que poderia tê-la deixado: casacos, sofá, embaixo da cama, banheiro. Nada, não estava em lugar nenhum . Não era a primeira vez que perdia ou esquecia alguma coisa, fato agora mais acentuado pela "vecchiaia", mas em situações semelhantes, havia recuperado o objeto perdido ou esquecido.

Ah, vou chamar São Longuinho! Sempre me ajudou nessas situações. Vou achar sim, como das outras vezes :

-São Longuinho, São Longuinho se achar a minha carteira de motorista, vou dar sete pulinhos! - disse bem baixinho.

Pode parecer ridículo, infantil, crendice até, o que quer que seja, mas muitas das vezes que o chamei, recuperei o que havia perdido! É fato.

Agora, com a sua chamada, com certeza apareceria - e claro, passei a responsabilidade para ele, caso não a achasse, ficaria mais conformado.

Lembrei que fora, cedo pela manhã, ao banco sacar dinheiro no caixa eletrônico e que poderia estar lá. Entrei no banco e fui até a responsável administrativa, indicada pelo atendente na entrada da agência:

-Bom dia, estive hoje cedo aqui no caixa eletrônico e posso ter esquecido minha habilitação. Será que não a acharam?

-Ah, bom dia, vou ver no setor, me aguarde um pouco, por favor - respondeu-me entrando pela porta que isolava essa área da sala da agência.

Escutei barulhos de papéis sendo mexidos, conversas surdas entre pessoas e abre-se a porta: volta ela. Eu, na expectativa de que estaria com o meu documento nas mãos, olhei-a: ela balançou a cabeça negativamente:

- Até o momento não acharam nada, pode ser que até a tarde apareça, mas é pouco provável, pois se o senhor esteve aqui antes de abrir a agência já deveria estar conosco, ou alguém pegou e talvez ligue para o senhor.

Fiquei frustrado e decepcionado. "Será que hoje é o dia de ele não me ajudar? Vamos São Longuinho, me faça dar os sete pulinhos, vamos..."

Voltei então para a estação do metrô que normalmente acesso - a mesma em que notara a perda, pois descendo a escada rolante, costumo tirar a carteira de dinheiro e pego a maldita habilitação agora perdida, para poder passar pela catraca sem pagar. Poderia ter caído nesse trajeto.

"São Longuinho, vai ser agora, ela vai estar lá!" - animava-me, mas sem muita convicção. Talvez, fosse sim hoje o dia dele não me ajudar: era o pressentimento! Mas, a esperança é a última que morre, não é mesmo? Chego à cancela, está uma segurança do metrô ao lado:

- Pois não senhor, bom dia.

- Bom dia, eu perdi a minha habilitação, não sei se foi aqui, mas quem sabe a acharam, poderia ver para mim, por favor.

- Sim, venha, passe e me acompanhe até a cabine ali

Vamos até a cabine - aqueles aquários que ficam bem em frente às catracas de acesso aos trens - ela entra, eu fico fora; ela procura em cima dos armários, gavetas. Observo-a e nada.

- Pode ser que, caso a tenham achado ,encaminhado para a Estação Sé, nos Achados e Perdidos, o senhor deveria ir até lá. - responde.

Fico totalmente desamparado por São Longuinho...

Pois é, seria hoje o dia? Quem sabe ele está fora do ar!

Agora, escrevendo há mais de uma semana do ocorrido, São Longuinho não me ajudou naquele dia: não encontrei a bendita, ou maldita habilitação. Esperei, nesse período, por alguma ligação, ou até alguém que a achasse e me devolvesse, como já acontecera uma vez: ter a danada caído no banco de um táxi, e no dia seguinte, o motorista bate na portaria do prédio, toca o interfone com o porteiro dizendo que tinha uma pessoa que queria falar pessoalmente comigo, eu não sabia do que se tratava, e ao encontrá-lo, o vi com a minha habilitação nas mãos. Não percebera que estava sem ela!

Continuarei chamando-o, mesmo que falhe de vez em quando. São Longuinho me ajudou muito a achar os meus perdidos, e pulei de agradecimento sete vezes em todas essas ocasiões com muito prazer e alegria. Coisa de criança mesmo!

Tentem, e verão que acontece, é verdade! Mas o melhor é cuidar bem dos documentos, pois pode ele estar em seu dia de folga quando precisarem de sua ajuda, como foi para comigo naquele dia.

Não darei dessa vez os sete pulinhos... Pena.

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Fernando Ceravolo
Enviado por Fernando Ceravolo em 03/02/2021
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