Juvenal

Todos os dias sentava-se na frente de sua casinha feita de barro e palha, sentava-se em uma cadeira com aspecto desgastado que havia sido pintada de amarelo em um tempo longínquo, um tempo que com carinho foi guardado nos corações antigos. Lascas de tinta amarelinha desgrudavam da cadeira e descobria-se então uma cor vermelha-escura, quase preta... "É que era feita de Jacarandá-da-bahia", dizia à todos. Ao seu lado havia sempre outra cadeira, muito bem pintada de um vermelho vivo, também antiga. O que despertava curiosidade de quem passava era que ela permanecia sempre vazia já há muitos anos, mas ele sempre a colocava ao seu lado.

Quando saía pela pequena portinhola de sua casinha procurava logo a saca de milho, preenchia as mãos de ração e espalhava generosamente. Em poucos segundos se via rodeado de bichos: Havia Laura, Roberta, Josefa e até o galo Adalberto, vinham também a pata Felismina, o capote Neneco, e muitos outros. Era uma festa. Ele não havia de lembrar por onde andava o seu isqueiro ou mesmo os óculos, mas lembrava os nomes dos bichos, chamava-os todos pelo o nome que ele mesmo dera.

Após alimentar todos os bichos, por fim, os dedos enrugados sentiam a polidez da madeira anosa de sua cadeira de jacarandá, feito por ele mesmo, e vez por outra dizia baixinho:

- É mainha... É madeira boa, graúna.

Ele acreditava que as coisas tinham alma feito gente, e mais, que guardavam nossas histórias. Após aconchegar o corpo cansado na cadeira acendia o terceiro cigarro do dia. Raiasse um sol escaldante ou chorasse o céu todas as suas mágoas, lá estava Juvenal com seu chapéu de palha todo santo dia. Juvenal era senhor viúvo, cordelista e vovô de 13 netinhos, há também quem dissesse que era encantador de galinhas, pois, era visto sozinho lendo seus cordéis para elas, e não é que as bichinhas ficavam lá paradinhas ouvindo? Além disso ele conversava mais com elas do que com gente. Seu netinho mais novo indignava-se, dizendo:

- Galinha lá tem miolo, vovô. O que hão de entender?

Juvenal, senhor de poucas palavras, apenas ria baixinho. É que quando todos se iam e os bichos se aquietavam, ele olhava para o céu e conversava com sua Mainha, Dona Mocinha, como era conhecida por todos, posto que até seus últimos anos inda tinha graça de moça-menina. Apesar do apelido, era de "Mainha" que ele a chamava desde a mocidade, assim como ela a chamava de "Painho", um absoluto ato de cuidado e doação que sentiam um pelo outro. E assim eles conversavam a manhã toda... E o que diziam não posso contar, só as galinhas sabiam.