Cigarras
26.11.2018
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Venho de viagem de carro, dia quente e abafado, nublado, típico dessa época do ano; nem verão, nem inverno: primavera.
Chego ao prédio do meu filho, entro na garagem, descarrego as minhas poucas coisas: mochila e geladeira térmica. Vou para o elevador, aguardo sua descida; chega, entro, e nele, está uma mulher de seus 40 anos, no canto.
-Boa tarde - cumprimento.
-Boa tarrde! - responde-me com seu sotaque interiorano paulista, carregando no "r" da tarde.
- Tá abafado hoje, não?- digo-lhe. A famosa frase de elevador!
- Sim, bastante. Vai chover. Ouviu as cigarras gritando? Quando elas gritam é por que vem a chuva.
- É mesmo! Como você sabe?
- Coisas de quem é do interiorr!
- Ah é, que interessante, não sabia disso não.
Chego ao meu andar; despedimo-nos. Entro no apartamento do meu filho e a faxineira está faxinando:
- Oi, tudo bem? - cumprimento-a.
- Sim tudo, e com o Senhor?.
- Tudo bem também. Abafado não? Vai chover.
- Vai sim; as cigarras estão cantando, logo, logo chove.
Não acredito na coincidência das respostas! Nada digo a ela sobre o que ocorrera no elevador há pouco. Fico espantado com o fato!
- É mesmo! Como você sabe?
- Aprendi com a minha avó; ela dizia que quando as cigarras cantam, é chuva na certa. Os antigos tinham essas coisas de ouvir os bichos, né - me responde de forma plácida, complacente - era normal esse fato para ela.
Desço pelo elevador para a garagem, pego o carro e vou para o mecânico - está com barulho esquisito na roda dianteira direita. O céu começa a escurecer. Não ouço cigarras. Deixo o auto no mecânico e volto para casa, olhando o céu bem carrancudo. E as cigarras?
Entro no apartamento, sento no sofá esperando ouvi-las. Fixo o olhar pela janela atento a qualquer som. Nada. Há bem em frente ao prédio, do outro lado da rua, jardim com várias árvores onde estão elas, as cigarras, quietas!
- Acho que não vai chover não! Elas estão quietas! - falo para a faxineira.
- Vai sim, com certeza! Espera mais um pouco. Logo elas berram.
Fico ali por bons minutos, no aguardo do seu cantar de chuva. E nada...
Ligo a TV no jornal da tarde e me distraio com as notícias. Então, num crescer, escuto forte o canto estridente delas, cada vez mais alto até ficar uníssono como um coral. Elas gritam mesmo para a chuva.
- Viu, num falei "pru" senhor que elas iam cantar! Olha como elas estão gritando. Vai chover sim e vai ser bem na hora que eu for embora. Danada dessas cigarras, vou pegar o "toró" todo!"
Olhei pela janela, o seu canto grave fazia com que o céu se acinzentasse com cadência - um balé regido por elas: as nuvens de chuva chamadas apareciam e se acinzentavam mais e mais, quase chumbo. Iria chover sim!
Param repentinamente de cantar. O céu está negro. As luzes das luminárias da rua se acendem. O vento bate forte e zune nas vidraças do prédio. Vem aí o "toró", anunciado por elas.
Chega a chuva, pesada e carregada, densa e molhada. Tinham razão, elas gritam para a chuva mesmo.
E bem na hora em que a faxineira foi para a sua casa!
Benditas cigarras!