ADEUS, LEITO 16! O FUNIL
Depois de idas e vindas ao hospital, minha mãe, por fim, ficou internada com uma pielonefrite bem agravada.
Inúmeras pessoas foram informadas. Apenas algumas se preocuparam a ponto de mandar mensagens diárias para saber do estado de saúde dela. Surpreendentemente, pessoas que conheci na sala de espera do hospital, com as quais não havia qualquer vínculo anterior.
Entramos num domingo, saímos numa sexta. No status de Whatsapp fiz duas publicações, a primeira dizia:
É na hora da dificuldade que a gente sabe quem é quem. Quem se importa, quem se interessa, quem ama com o amor de Jesus. Ou seja, amor prático.
A segunda publicação, foi apenas uma foto com o número do leito e a legenda: "Adeus, leito 16!'
A primeira publicação, visualizada por 22 pessoas.
A segunda, por 17, incluindo parentes.
Apenas duas pessoas perguntaram o que houve.
Como única filha capaz de cuidar da minha mãe, eu teria que passar todos esses dias dormindo e acordando no hospital, posto que minha outra irmã é falecida.
Pois bem, desamparada por muitos, mas não por todos, pois Deus sempre faz murta brotar no deserto quando necessário. Então, Ele enviou duas pessoas, a primeira não pode ficar, porque seria uma idosa tomando conta de outra, mesmo assim senti-me abraçada pela intenção e dispensação dela. A segunda se dispôs para ficar em meu lugar à noite durante todos esses dias, pessoa essa que terá minha eterna gratidão.
Contudo, ninguém sabia disso, nem procurou saber, em todo caso teria sido eu absolutamente a ficar no hospital a julgar pelo apoio que não recebi.
Mas, o que sempre me choca e entristece é o funil.
Quando tudo está bem, as pessoas enviam mensagens diárias, áudios de bom dia, etc., mas a dificuldade se mostra como um funil muito rígido e aí, às vezes, a pessoa só pode contar com uma única alma capaz de se envolver de verdade, ainda bem que pelo menos uma se envolveu.
Se muitas pessoas tivessem a chance de passar uma semana num hospital talvez saíssem mais humanas, porque é sem dúvida alguma um grande aprendizado.
Nesse meu "estágio" da vida, vi pessoas desamparadas quando mais precisavam. Pessoas que não tinham condição de pegar um copo d'água pra si. Vi pessoas que largaram todos em busca de melhor oportunidade e, agora, estavam absolutamente sozinhas sem condição de por o pé no chão e sem poder avisar a parentes todos em outra cidade. Vi como a escala de dor é relativa, e que , portanto, não dá para julgar a dor do outro pela sua própria capacidade de resistir à ela. Vi que o tribunal humano já nasceu falido, e que o martelo da sentença que geralmente é de condenação, deveria bater mais forte para absolvição. Vi pessoas se negarem a descansar, agravando assim a enfermidade. Vi como uma mente teimosa pode ser destrutiva, enfim, vi gente morrer na minha frente, sem que pudesse ajudar em mais nada.
Vi como literalmente nem sempre há tempo para despedidas.
Vi muitas coisas, não saí mais amarga dessa minha imersão forçada, mas de algum.modo sai mais humana do que pensei ser capaz. Saí dolorida fisicamente e emocionalmente por ver e viver na pele o desinteresse justamente daqueles que demonstravam algum afeto, mas que na prática foram Ninguém.
No entanto, aprendi a confiar mais em Deus, e Ele trouxe tudo que precisei.
Concluindo, mas não deprimindo, apenas constatando, precisamos sempre esperar mais de Deus e muito pouco das pessoas, pois a maioria desconhece o que é o verdadeiro amor.