Desventuras de Um Técnico - Temporada 2018 - Prólogo - Amargas Lições

Ás vezes, ser técnico de futebol é como ser ator de um filme ou peça de teatro. É necessário desempenhar vários papeis a fim de ver seu trabalho ser notado por todos.

Primeiro, o papel de estrategista ou se preferir, um tático. Pra grande maioria das pessoas, especialmente os torcedores mais fanáticos, o futebol é uma guerra e como tal, você precisa derrotar seu adversário usando os recursos que possui e explorando as fraquezas deste.

A estratégia aqui é importante. Uma jogada errada, uma substituição infeliz ou até mesmo uma expulsão estúpida e o time sai derrotado na maioria das ocasiões.

Há, no entanto, raras exceções e quando isso acontece, a partida entra para história de forma épica ressoada através de gerações.

Depois, o papel de professor. Bem, essa parte é bastante engraçada porque não considero-me um mestre da arte de ensinar futebol, mas apenas uma espécie de eterno aluno que aprende através dos ensinamentos que a vida te dá.

Talvez pelo fato de já ter sido jogador, embora não tenha sido um virtuoso da bola. Comigo ela chorava.

E por fim, o de pai ou de psicólogo. Muitos técnicos são marcados na carreira por ser disciplinadores ao extremo ou paternalistas ao extremo.

Nunca se sabe o que se passa na cabeça de um jogador. Não é fácil ter que encarar um plantel com mais de vinte jogadores e analisar a situação de cada um deles.

Menos mal que André Luiz será um fator importante neste trabalho.

Mesmo aposentado, ele ainda pode ajudar os mais novos com seus conselhos e sua experiência em campo.

Uma das coisas que os rapazes precisam compreender é saber controlar seus atos extracampo, especialmente os considerados ídolos da torcida.

Afinal, as crianças se espelham neles sonhando um dia jogar futebol e ganhar rios de dinheiro.

Isso, no entanto é pra pouquíssimos. A realidade é totalmente diferente onde os jogadores em sua maioria ganham salários no máximo razoáveis variando de clube para clube.

Eis o que um treinador de futebol faz na sua essência.

E muito mais.

Ainda estava divagando-me sobre como ser um técnico quando a Lúcia falou sobre o batizado do João Marcos que seria realizado lá na Igreja do Porto após a Copa do Mundo na Rússia juntamente com o do Patrício e do Franz, filhos dos meus irmãos Carlos e Luís.

Foi ideia do meu pai. Sabe como é, não se podia dizer não a um desejo dele de ver os três netos sendo batizados na mesma igreja onde Carlos, Luís e eu fomos batizados.

De comum acordo ainda, os batismos de casa seriam feitos junto com os avós maternos pra não dar nenhum problema.

No meio de todo esse turbilhão, ainda tem uma nova temporada de desafios com o Caxias.

Uma temporada de juntar os cacos após o rebaixamento em 2017 para a Série C e através dessa reconstrução, fazer uma boa campanha com o apoio de nossa torcida e quem sabe, poder voltar a Série B em 2019.

Mal podia esperar terminar as férias para poder rever os rapazes.

* * *

Na apresentação do grupo de jogadores para o início de temporada, enfatizei bastante o objetivo de fazer uma boa campanha nas três competições a disputar e no primeiro contato com o time, fui apresentado aos novos reforços vindos da base: o lateral Felipe Dantas que veio na negociação que mandou Maílson para o São Bento, o volante Rennan e os meias Nininho Braz e o venezuelano Hugo Hernández, este vindo do Zamora a preço baixo.

Comentei com o presidente sobre o inchado grupo de 30 atletas e as preocupações que esse excesso pode trazer na equipe como rachas no elenco e brigas em treinos, como ocorreu com Rodrigo Arroz e Clayton em 2016.

Mas com relação as táticas, isso pode ser interessante pra testar todos os esquemas possíveis.

E a oportunidade perfeita surgiria nos amistosos contra Cluj e Milionários para pagamento dos passes de Codorean e Darío Rearte.

O colombiano, aliás, destacou-se muito nos treinos assim como Charles e os dois seriam titulares no meu novo time-base saindo Giovani e Lucas Dantas.

Mesmo com as mudanças, eles ainda seriam meus jogadores de confiança.

Contra os romenos o time foi muito bem. Gostei da movimentação e da rápida troca de passes e só pedi aos rapazes para adiantarem as linhas de marcação.

E a colheita veio logo no início do segundo tempo com um belo gol de Charles com direito a chapéu no zagueiro e uma bomba sem deixar a bola cair.

As substituições foram bem-feitas e gostei da vontade de Nininho Braz em campo. Não só ajudou na marcação como também criou boas jogadas no ataque. Em um deles, deu um passe magistral para Lucas Dantas fazer o gol da vitória.

Vi ali um menino talentoso, mas de personalidade forte. Se me derem tempo o bastante, lapidarei um futuro craque.

No vestiário, enquanto os outros tinham já saído, vi Nininho mexendo em um notebook e fiquei curioso pra ver o que estava fazendo.

- Oi, professor!! não vi o senhor aí!!

- Onde conseguiu esse notebook, Nininho?

- Foi presente da minha mãe. Ela me daria um se eu fosse promovido pro time principal e estou falando com ela.

- Que ótimo. Se continuar com essa vontade que demonstrou hoje, fará sua mãe feliz. E eu também.

- Puxa, professor!! Muito obrigado!!

Essas atitudes são muito bem-vindas e ajudam o grupo como um todo.

Fui pra casa contente e já planejando novos testes para o amistoso seguinte contra o Millionários.

Nem eu adivinharia que naquele jogo aprenderia uma das lições mais amargas da minha vida.

* * *

Confesso que tive uma parcela de culpa da goleada estrondosa que levamos dos colombianos.

Afinal, cometi o pecado da soberba ao escalar três atacantes contra um time tecnicamente superior.

E ainda por cima, escalei Hernandez e Patrick como meias ofensivos sobrecarregando nosso sistema defensivo.

Só precisei de apenas 45 minutos para perceber o quão minha escolha foi desastrosa.

Embora Patrick tenha feito o gol que nos devolveu pro jogo por alguns instantes, nada podíamos fazer para parar a boa atuação de Salazar que fez dois gols e participou com passes ou cruzamentos para os outros três.

Daquela partida só sobrou uma boa descoberta: Hernandez era um bom jogador taticamente e pode desempenhar funções tanto no meio como no ataque.

Um coringa que será muito importante em meus esquemas táticos.

Ainda tinha dúvidas se continuaria no 4-4-2 que sempre joguei ou arriscaria no 3-5-2 colocando Giovani como um ala pela direita e deslocando Rearte para a zaga.

Uma resolução, entretanto, já tomei. Contra times mais fortes, a opção será a retranca e contra-ataque como forma de equilibrar um pouco as coisas.

Dentro de poucos dias, estrearia contra o Aimoré pelo Campeonato Gaúcho e uma boa campanha seria vital para minhas pretensões como técnico.

Chegar as finais novamente seria difícil, mas ficar entre os quatro primeiros era nossa obrigação.

A sorte estava lançada.

Outra vez.

MarioGayer
Enviado por MarioGayer em 29/01/2021
Código do texto: T7171709
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