O Celular (Reedição)
Certo dia, em meu armazém, fui abordado por um funcionário que me fez o seguinte pedido:
- Chefe, compra um celular pra mim.
- Para quê tu queres um celular Zé?
- Ora chefe, para o senhor falar comigo quando quiser.
- Zé, tu estás querendo me enrolar...
- Epa, nem pense nisso. Eu jamais enganaria o senhor!
O Zé é um excelente funcionário. Não falta o trabalho e está sempre disponível quando precisamos dele.
- Está bem! Você me convenceu. Amanhã comprarei um e te dou de presente.
- Vai descontar do meu salário?
- Não, já falei que é um presente.
- Obrigado chefe. O senhor é um bom cara.
- Para com isso Zé, senão eu desisto de comprar.
- Já me calei. Já me calei.
A noite, fui ao Shopping para comprar o telefone prometido. Na frente da loja de celulares tem uma cafeteria e, como amante de café que sou, fui seduzido pelo seu cheiro.
- Hum, esse café está muito cheiroso. Moça, por favor, um café expresso.
Em uma mesa, puxei uma cadeira e me sentei.
Enquanto saboreava o meu cafezinho, levantei os olhos e comecei a observar o movimento dentro do shopping.
As pessoas passam umas pelas outras e mal se olham nos olhos. As vitrines estão recheadas de " tentações". Tornam-se instrumentos hipnóticos. Por um momento, o desejo de "ter" sobrepõem-se a realidade do dia-a-dia. E o tempo não para. Já observaram uma libélula voando e parando a todo instante? Assim são as pessoas nos corredores: andam e param a cada vitrine. Os shoppings deveriam ser chamados de "ninho de libélulas".
Perguntei a vendedora da loja de telefones:
- Quanto custa este celular?
- É um smartphone e custa mil e duzentos reais.
- Certo. Tem câmera fotográfica e outras coisas que nunca usaremos?
A vendedora deu um sorriso bondoso!
- Tem sim, senhor.
- Então vou levá-lo. Embalagem para presente, por favor.
No outro dia, o Zé me procurou logo que chegou.
- E então chefe, comprou o meu celular?
- Comprei sim Zé. Tome aqui.
- Olha só! Obrigado chefe, é muito bonito. Uau! última geração, da melhor qualidade. Agora o senhor pode falar comigo quando quiser.
- Está certo Zé. Tudo bem. Vamos trabalhar que é melhor...
No dia seguinte o Zé não veio trabalhar.
Passou-se mais um dia e ele novamente não veio.
Indaguei a mim mesmo:
“O que será que aconteceu com ele? Não é de faltar trabalho. Se pelo menos eu tivesse como falar com ele. Puxa! Como és esquecido homem! Tu não deste um celular ao rapaz?"
- Está dando na Caixa postal! Vou tentar outra vez. Caixa postal novamente. Vou deixar um recado.
Ele não retornou a ligação.
Não me conformei e liguei outras vezes durante o dia.
- Desisto. Amanhã ele aparece.
No outro dia, quando cheguei ao escritório, uma senhora me esperava.
- Bom dia senhora!
- Mais ou menos.
- A senhora é?
- Sou a Maria, mãe do Zé, seu funcionário.
- Está tudo bem com ele? Não vem trabalhar a dois dias.
- Não senhor. Ele foi assaltado anteontem quando vinha para o trabalho e o bandido o matou quando reagiu. Tudo por causa de um maldito telefone celular. Foi o senhor quem deu a ele, não foi?
Fiquei pasmo com a notícia e não consegui responder com palavras. Fiz apenas um gesto de consentimento.
- Bem eu vim dar a notícia ao senhor.
Fiquei olhando aquela pobre mulher se distanciando, indo embora.
- Maldito celular! Porque o defender com a própria vida?
Falei em voz alta.
- Maldito celular!
Lamentei muito a morte do Zé. Era uma boa pessoa.
(Reedição)