Estigma
O meu rosto tem essas marcas. A minha pele parece terra, de cor empoeirada. O meu nariz robusto apara lágrimas, quando elas caem desses meus olhos de sangue visível. Lágrimas grosseiras, ridículas. As minhas mãos ásperas são descomunais, embora não toquem em nada. Não podem tocar em nada. O meu corpo grande se encolhe no quarto. Minha monstruosidade transbordada, eu escondo de porta trancada. Lá fora há impaciência nos rostos. Há a pressa contra a minha voz gutural, engasgada com a saliva. Nenhum anjo vai me salvar. Está escuro e há tremor no espelho. Há temor nos olhos humanos, dissimulados, com asco.
Quando apenas fui hesitando, antes de me manifestar, antes de dizer a minha pauta do dia, acusaram qualquer gesto meu de desnecessário. Feio. Despudorado. Eu tive medo de ser apagado. Sei que os dias e as noites querem me ver. Eu era para existir junto das coisas todas, do ar, da árvore, andar entre postes. Mas não é permitido.
A minha mãe, cheia de feiuras, uma criatura que parecia ser de uma caverna, lamentava com a mesma veemência que me deixa nesse quarto, com a dúvida perturbadora de não saber se me incentiva a viver ou o contrário. É tudo muito aos pouquinhos. Por isso que hoje, quando ouvi bicada de passarinho no telhado, arregalei os olhos, vendo cair uma pedra pequena... Peguei-a e olhei. A pedra me regou a vontade. A pedra me deu o impulso. A pedra era o movimento da vida que me chamava. Dentro de mim, uma fera gritava. Saí do quarto, do escuro. A minha mãe chorava. Saí de casa comigo mesmo com tudo. As pessoas se irritavam. Fui até a luz do sol, que banhou o meu rosto. Todo o meu rosto se mostrava. O rosto que nasceu da terra, onde está enterrada toda a minha família. O rosto de onde brotou outro rosto invisível de dor. Escancarado na rua.
Com todos aqueles olhares, parecia que com meus próprios passos me perseguiam. E minha mãe chorava no portão, me chamando para voltar para o quarto, para a escuridão em pleno dia.